A poesia popular de Ti António
Branco
António Branco,
trabalhador rural, forneiro, analfabeto, montalvanense de “antes
quebrar que torcer” deixou um acervo literário disperso, bastante
disperso, de poemas e canções. Sim, porque os seus versos, as suas
rimas, não saíam do punho e da caneta, mas da alma e da garganta,
lançadas, quantas vezes, freneticamente, entre um e outro copo do
tinto, que “premiava” as cantigas ao desafio.
António Branco, era
analfabeto, não teve tempo, nem posses para frequentar a escola, só
por isso. De resto, era um homem culto, atento, curioso, com uma
consciência cívica, social e política, bastante interventiva, que
a sua poesia nos revela. Tinha as palavras no “fio da navalha”,
quando se tratava de distinguir o rico do pobre, a razão da
injustiça, as contradições e antagonismos de uma sociedade (a do
seu tempo) onde os homens não nasceram livres e iguais, em direitos
e deveres.
As suas décimas “falam”
da paz e da guerra, da injustiça, do campo, do mundo em que vivia.
Criticava os poderes, sempre que se sentia injustiçado, como
cidadão, ou como munícipe, numa atitude de protesto e rebeldia em
que privilegiava a defesa da sua comunidade, em desfavor do seu
interesse individual.
Morreu – como morrem
todos os heróis anónimos – como um “pobre diabo”, sem ver
reconhecido o seu valor como cidadão, amante da paz, da liberdade e
da justiça, e sem que o seu extenso repertório fosse reunido num
livro, que seria de louvor ao homem que foi a consciência social e
política de Montalvão, no seu tempo. Fiquem, então, a conhecer um
pouco da poesia popular do Ti António Branco…
Mário Mendes
É bonito ver no prado
O pachorrento boi lavrando
À frente do seu dono
Alegremente cantando
I
Veio-me um dia ao pensamento
Ir ao prado passear
Somente para apreciar
Qual o seu tratamento
Motivo porque passeei atento
Com o passo bem descansado
Mas logo me vi cercado
De borregos e chibinhos
E com o canto dos passarinhos
É bonito ver no prado
II
Ainda não arraia o dia
Já o homem vai cantarolando
E o gado aproximando
Para lavrar a terra fria
No meio da árvore sombria
E dos passos que foi dando
Alguém se foi aproximando
Para ver o que dava a moda
E ver o arado com roda
E o pachorrento boi lavrando
III
Com a canga no cachaço
Presa por uma correia
E outra que nas chaves se enleia
À maneira de um laço
Mas sem mudar de passo
Passa os dias com ardor
Mas não muda de tenor
Até que vá para a cabana
Porque puxar toda a semana
À frente do lavrador seu dono
IV
Sofre imenso tormento
Sempre metido na cruz
Lavrando terras que produz
Onde semeia várias sementes
Para alimento dos viventes
Que delas estão carecendo
Motivo porque vai lavrando
E obedecendo ao seu guia
Que aos campos dá alegria
Alegremente cantando.
António Branco