A cultura que herdámos e que os jovens, felizmente estão a alterar, fazia com que uma mulher, depois do trabalho era responsabilizada em especial pela alimentação em casa, limpeza, os cuidados com os filhos e o vestuário. Os tempos mudam, mas infelizmente ainda temos muitos “netos de moura” e tanto a lei como as autoridades ainda não tratam de forma séria, a violência doméstica e os crimes sexuais. Por isso a violência e os crimes não abrandam, apesar dos esforços.
As insistentes palavras “parem de nos matar”, já não deviam existir e só podiam ter sido ditas uma vez; mas o flagelo do femicídio registou 32 vítimas em Portugal no ano passado (2019). A maioria teve como origem a violência doméstica ainda tolerada por parte da sociedade machista, incluindo parte da justiça.
Trabalhei numa empresa onde uma engenheira com as mesmas qualificações e responsabilidades ganhava menos que o engenheiro. Como representante dos trabalhadores não consegui mudar nada, porque a lei de 2003/PSD-CSD, acabou por branquear esta e outras descriminações, como o fosso salarial que é enorme. Em média e comparado com os salários dos homens, as mulheres ganham menos.
Este país que se orgulha de ser um dos mais seguros do mundo, não consegue proteger as crianças, os velhinhos e as mulheres continuam a morrer assassinadas todos os anos, apesar de já não terem receio de denunciar os seus agressores. Mais de 500 mulheres foram assassinadas nos últimos 15 anos, destruindo famílias e com mais de 1000 crianças com a vida devastada. É inadmissível que sejam as mulheres agredidas a saírem de casa, levando muitas vezes os filhos, quando estes não são institucionalizados.
Continuam a faltar as efetivas ações de formação cívica e educação sexual; faltam políticas de penalização criminal e políticas laborais efetivas contra todo o tipo de assédio e precariedade no trabalho. Faltam ainda, medidas sérias para controlar o alcoolismo, a toxicodependência e a doença mental. O machismo existe em todas as profissões e condições sociais. Não é um curso superior que resolve este problema da violência de género – é a educação!
Quando vimos a extrema-direita a crescer no mundo, percebemos que a luta das mulheres vai ter mais inimigos, porque esta linha política é defensora das tradições e dos costumes conservadores por mais estúpidos que possam ser. Para não falar da sua postura misógina e sexista como convém aos defensores do machismo. Um eurodeputado polaco afirmou que as mulheres devem ganhar menos por serem mais fracas e menos inteligentes; um líder religioso iraniano acusou as mulheres “pouco modestas” de serem as causadoras dos terramotos…
Trump e Bolsonaro são dois grandes exemplos no plano internacional, mas o mais destacado é Erdogan, presidente da Turquia, onde defende que as mulheres devem ter pelo menos três filhos e que o controlo de natalidade é "uma traição". Acresce ainda a posição da esposa deste chefe de estado, que enaltece o papel do harém, depois do seu esposo ter declarado que o papel da mulher é, acima de tudo como mãe e que as mulheres sem filhos são deficientes e incompletas.
Por este mundo fora, desde a obrigação do véu, da burka, mutilação genital, transportes só para mulheres e proibição de saias curtas, entre outras atrocidades, as mulheres têm muitas razões para não descansarem, enquanto alguém por ser mulher é discriminada, violentada e assassinada. Os machistas, os abusadores e os criminosos continuam impunes e as mulheres não vão poder baixar os braços nesta luta em que já são muitas, as que corajosamente se recusam a serem tratadas como objetos, ou seres inferiores.
Aguardam-se outros combates, mas a vitória do sim à descriminalização do aborto foi uma grande vitória de todos e todas que queriam a diminuição de abortos, a abolição de mortes em condições precárias, mas em particular foi uma vitória das mulheres que exigiram respeito pelo seu corpo.
Paulo Cardoso in Rádio Portalegre - Desabafos - 13/3/2020
Nota: Foto da capa do Fb da Associação FEM – FEMINISTAS EM MOVIMENTO (https://www.facebook.com/ FeministasEmMovimento/)