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29.3.20

NISA: Textos do "Jornal de Nisa" (2008)


Vamos todos à Romaria!
Eram nove horas naquela manhã de Primavera, com os nisenses a acordar ao som das bonitas melodias interpretadas pela Banda de Música de Nisa, que passava na rua a dar a alvorada, enquanto no ar já se ouvia o estoirar dos foguetes, expedidos lá do cimo do cabecinho de Nossa Senhora da Graça, a nossa padroeira, como a quererem dizer, que já eram horas de partir para a Romaria.
Noutros tempos, o trajecto (4 quilómetros) era feito a pé, em que a folia dos rapazes e raparigas iam alegrando os caminheiros, cuja primeira paragem obrigatória seria, como prova de fé, na “Oliveira do Encontro” para aí se fazer e deixar, uma cruz de paus, pois era uma tradição antiga.
Hoje, a oliveira já não existe, porque não a souberam salvaguardar e os romeiros já vão de automóvel.
Com mais uns risos e gargalhadas, começava-se a avistar a ermida, ainda lá longe, fazendo-se outra breve paragem para ir ver o “Penico dos Pastores”, de igual modo vandalizado e roubado.
O percurso ia chegando ao fim e já nas imediações da capela, a primeira coisa a fazer era escolher o local onde se iria merendar: o terreno mais propício, a melhor sombra e a melhor visibilidade, deixando lá o farnel, para que outras pessoas não o pudessem ocupar.
Na encosta da colina existiam os “botequins” das bebidas e a barraca da massa frita (brenhól). Mais acima, no átrio de Nossa Senhora dos Prazeres, estavam instaladas as tendas das lembranças, onde não faltava a pinhoada e as “santinhas” de açúcar, ali bem perto do célebre fotógrafo.
Às horas da missa e da procissão, quase toda a gente subia lá acima ao cabecinho, local de culto, onde se iria cumprir as promessas e pedir à nossa padroeira, o bem-estar, saúde e sorte para toda a família, contribuindo-se com donativos em ouro e dinheiro, sendo as notas afixadas com alfinetes no manto da Senhora.
Algumas pessoas ofertavam “ramos” que eram depois arrematados, logo a seguir ao almoço, ao som da música.
Não faltava na romaria, um pezinho de dança, acompanhado por vários componentes da banda ou pelas harmónicas de algum músico de improviso.
E para a festa ser festa, era por vezes necessária a intervenção da guarda republicana, a cavalo, porque quase sempre havia zaragatas.
A hora do almoço era aquela em que o convívio era mais forte e sentido. Despertava ali uma espécie de “magia” a que a paisagem verdejante dos campos e o cheiro das flores silvestres não era alheio. Era uma sensação de bem-estar, poucas vezes sentida durante o ano e a que não faltavam os condimentos das iguarias tradicionais, o bom vinho caseiro a marcar presença, os pastéis de bacalhau (almôndegas), empadas, painhos, lombos, carne assada de borrego e os bolos da Páscoa. A rapaziada mais modesta, contentava-se com um “pirolito” e um “lagarto” ou “freira” com um ovo lá dentro, bolos que eram confeccionados pelas nossas mães: aos rapazes cabiam os “lagartos” e as raparigas tinham direito a uma “freira”.
Antes do regresso à vila, os rapazes iam apanhar espargos e beber a bela água cristalina das fontes, enquanto as raparigas se entretinham em ir colher um ramo de flores, perfumadas com o cheiro das papoilas e do rosmaninho, que elas guardavam durante várias semanas.
Os que tinham mais dinheiro, como lembrança, compravam um “relógio” ou uma “santa” de açúcar, sendo que os primeiros eram para os rapazes e as “santas” para as raparigas.
Os que não tinham pressa em regressar ficavam lá a ver e a aplaudir os “ases do pedal”, rapaziada que apostava uns com outros em como eram capazes de subir até lá acima na bicicleta.
À tardinha, as pessoas que por qualquer motivo não puderam ir à Romaria, tinham o hábito de ir esperar o pessoal, junto à Fonte do Frade, metendo conversa com este e aquele, perguntando: “ Então, gostaram da Romaria? E não houve “garreias” este ano?”.
Era assim, noutros tempos a nossa Romaria à Senhora da Graça. Descrevemo-la aqui como a vimos e sentimos, não deixando de sentir um frémito de emoção e saudade.
“O que vem do coração pode-se escrever, mas não o que o coração é”
António Mourato (Conixa) – 24/3/2008

23.8.16

CANTINHO do EMIGRANTE: Eu, aqui, tão longe!...

E' triste emigrar, mas mais triste é sentirmo-nos portugueses de "segunda classe", na terra que nos viu nascer. Sim! Digo isto, porque nos cá longe vamos perdendo os hábitos e os nossos costumes, até mesmo a expressão da nossa língua, porque o nosso português é muito mal falado, não só porque a erosão do tempo nos foi apagando as boas recordações, muito embora, nos desloquemos todos os anos, ao nosso lindo país, a terra dos 3 éfes: Fátima, Futebol e Fados, como aqui é conhecido Portugal...
Os emigrantes actuais, não são nada menos corajosos do que os das décadas de 60/70, muito embora as dificuldades de integração na sociedade sejam as mesmas, mas temos que reconhecer, que os primitivos abriram o caminho, fazendo a viagem em condições muito penosas, ao contrário de hoje.
Como a saudade me faz falar, digo que 42 anos de emigrado não são 42 dias, por isso muita coisa aconteceu. O nascimento dos meus filhos e dos meus netos, fizeram com que eu ficasse “cortado” ao meio, entre a França e Portugal, pois não os quero abandonar, apostando em ficar por cá, muito embora a todos os momentos sinta o meu coração palpitar, quando se fala de Portugal, e este ano ainda mais, porque por motivos de doença grave, talvez não possa ir matar saudades à minha querida terra, desfrutar um pouco da minha casa que tenho em Nisa, ver a família e os amigos...
 "O sentir", é qualquer coisa que nos atrai, como se fosse o aproximar do negativo à realidade, mas quando lá vou, fico com o coração despedaçado, de não ver em lado nenhum, uma recompensa em "Honra dos Emigrantes", isto é, num lado qualquer da vila, um sinal alusivo à memoria de todos os emigrantes, pois quase todas as vilas e aldeias já o fizeram. Que me desculpem se repito muita vez os mesmos argumentos, mas nunca é de mais falar num assunto que julgo de interesse de todos os nisenses.
Por isso, uma vez mais, venho lembrar à nossa autarquia, em especial à senhora presidente, Dra. Idalina Trindade, que tem uma dívida para com os emigrantes, estes que labutam cá longe e que ao longo de décadas têm contribuído para a divulgação e o desenvolvimento da sua terra e país.
Em face do exposto, deixo aqui três sugestões ao Município de Nisa, para que ao menos, possam concretizar uma:
1 - Homenagem ao Emigrante (Monumento).
2 – Atribuição de nome a uma rua da vila (Rua do Emigrante).
3 - Afixar uma lápide (Memória dos Emigrantes).
Este reconhecimento, merecido, contribuiria para devolver a dignidade perdida de todos aqueles que cá longe, ajudam ou ajudaram a dignificar o nome de Portugal!
Lembro que, juntamente com outros nisenses contribuí para que o sonho da geminação entre Nisa e Azay le Rideau se tornasse realidade, pois esta vila foi como nossa mãe, que nos soube acolher de braços abertos, onde muitos nisenses se instalaram e trabalharam, colaborando na vida activa da região.
Só lamento o facto de “estar cá tão longe", mas não estou arrependido, porque consegui o que talvez não conseguisse em Portugal, desfrutando da minha reforma e da minha casa, junto da minha esposa, filhos e netos, embora o estado de saúde actual, não seja favorável, mas com a fé que eu tenho em Deus tudo se ultrapassará.
Despeço-me com um forte abraço para todos vós, até à próxima!
António Conicha in "Alto Alentejo" - 18/5/2016

27.10.13

MEMÓRIA(S) DE NISA: As Sortes

Há muita variação de “sortes”, mas aquela a que me refiro, não é a parcela de terreno que herdámos dos nossos pais., ou aquelas que possuímos após termos ganho na lotaria. Falo das “sortes”, desse acto em que todos os jovens noutros tempos eram obrigados a participar: a chamada “inspecção militar”.
As sortes realizavam-se todos os anos, na sede do concelho, feita por meia dúzia de oficiais do Exército, que já nessa altura e para impressionar, nos falavam asperamente, ao bom estilo da filosofia da tropa.
Ainda me lembro bem, foi num dia de Verão, em que parte da rapaziada descobriu o seu corpo pela primeira vez, admirando ou gesticulando este ou aquele que possuíam marcas de  nascença.
Os nossos pais e noivas aguardavam-nos, silenciosos, no Largo do Município, para nos felicitarem ou chorarem a nossa “sorte”. Havia a guerra do Ultramar e a fita vermelha na lapela do casado significava “Apurado” para todo o serviço militar e depois, geralmente, a mobilização para as colónias.
Quase todos ficavam “apurados” nesse tempo. Os nossos pais, à guisa de consolação, diziam-nos: “deixa lá, filho, a tropa fará de ti um homem!”.
Alguns, poucos, saíam de fita branca. Ficavam “livres” do serviço militar. Outros, ainda, com a fita verde, ficavam a aguardar, de “espera”, ou por nova inspecção ou que a situação se resolvesse.
As “sortes” eram, apesar de tudo, uma festa. A Nisa chegava a rapaziada de todo o concelho, em grupos, com um tocador de concertina à frente, seguido da malta com fitas garridas e pandeiretas. Percorriam as ruas da vila, entravam nas tabernas, cantavam e dançavam com uma tal alegria que não adivinhava as horas de incerteza, de perigo e de sofrimento que a muitos aguardava.
A rapaziada de Montalvão, todos de lenço ao pescoço, uniram-se a nós, talvez por serem os mais amigos e juntos fizemos o percurso habitual dando vivas e gritos de contentamento, próprios da juventude.
À noite era o “Baile das Sortes” e a primeira dança era reservada apenas aos “sorteados”. O palco deste acontecimento era a sala ou o quintal do “Benfica”, sempre cheio e a transbordar de gente. Para alguns começava, nessa noite, a sua vida sentimental e aguardavam ali o “Sim ou o “Não” do seu bem-amado, pois havia o uso e o costume de as raparigas começarem a namorar a partir desse dia.
Hoje tudo parece ter mudado e já não se vê a concertina a tocar pelas ruas e a rapaziada também já não vão à tropa. Os nossos pais, esses, deixaram de chorar a nossa “sorte”, a par das raparigas, que agora são elas a pedir namoro aos rapazes.
Recordações de um tempo, de mocidade e em que a juventude dava largas à sua alegria.
António ConichaCantinho do Emigrante Jornal de Nisa – nº 30 – 31 Março de 1999