Há muita variação de “sortes”, mas aquela a que me refiro, não é
a parcela de terreno que herdámos dos nossos pais., ou aquelas que possuímos
após termos ganho na lotaria. Falo das “sortes”, desse acto em que todos os
jovens noutros tempos eram obrigados a participar: a chamada “inspecção
militar”.
As sortes realizavam-se todos os anos, na sede do concelho,
feita por meia dúzia de oficiais do Exército, que já nessa altura e para
impressionar, nos falavam asperamente, ao bom estilo da filosofia da tropa.
Ainda me lembro bem, foi num dia de Verão, em que parte da
rapaziada descobriu o seu corpo pela primeira vez, admirando ou gesticulando
este ou aquele que possuíam marcas de
nascença.
Os nossos pais e noivas aguardavam-nos, silenciosos, no Largo do
Município, para nos felicitarem ou chorarem a nossa “sorte”. Havia a guerra do
Ultramar e a fita vermelha na lapela do casado significava “Apurado” para todo
o serviço militar e depois, geralmente, a mobilização para as colónias.
Quase todos ficavam “apurados” nesse tempo. Os nossos pais, à
guisa de consolação, diziam-nos: “deixa lá, filho, a tropa fará de ti um
homem!”.
Alguns, poucos, saíam de fita branca. Ficavam “livres” do
serviço militar. Outros, ainda, com a fita verde, ficavam a aguardar, de
“espera”, ou por nova inspecção ou que a situação se resolvesse.
As “sortes” eram, apesar de tudo, uma festa. A Nisa chegava a
rapaziada de todo o concelho, em grupos, com um tocador de concertina à frente,
seguido da malta com fitas garridas e pandeiretas. Percorriam as ruas da vila,
entravam nas tabernas, cantavam e dançavam com uma tal alegria que não
adivinhava as horas de incerteza, de perigo e de sofrimento que a muitos
aguardava.
A rapaziada de Montalvão, todos de lenço ao pescoço, uniram-se a
nós, talvez por serem os mais amigos e juntos fizemos o percurso habitual dando
vivas e gritos de contentamento, próprios da juventude.
À noite era o “Baile das Sortes” e a primeira dança era
reservada apenas aos “sorteados”. O palco deste acontecimento era a sala ou o
quintal do “Benfica”, sempre cheio e a transbordar de gente. Para alguns
começava, nessa noite, a sua vida sentimental e aguardavam ali o “Sim ou o
“Não” do seu bem-amado, pois havia o uso e o costume de as raparigas começarem
a namorar a partir desse dia.
Hoje tudo parece ter mudado e já não se vê a concertina a tocar
pelas ruas e a rapaziada também já não vão à tropa. Os nossos pais, esses,
deixaram de chorar a nossa “sorte”, a par das raparigas, que agora são elas a
pedir namoro aos rapazes.
Recordações de um tempo, de mocidade e em que a juventude dava
largas à sua alegria.
António Conicha – Cantinho do Emigrante – Jornal de Nisa – nº 30
– 31 Março de 1999