Mãe
Mãe:
Que
desgraça na vida aconteceu,
Que
ficaste insensível e gelada?
Que
todo o teu perfil se endureceu
Numa
linha severa e desenhada?
Como as
estátuas, que são gente nossa
Cansada
de palavras e ternura,
Assim
tu me pareces no teu leito.
Presença
cinzelada em pedra dura,
Que não
tem coração dentro do peito.
Chamo
aos gritos por ti — não me respondes.
Beijo-te
as mãos e o rosto — sinto frio.
Ou és
outra, ou me enganas, ou te escondes
Por
detrás do terror deste vazio.
Mãe:
Abre os
olhos ao menos, diz que sim!
Diz que
me vês ainda, que me queres.
Que és
a eterna mulher entre as mulheres.
Que nem
a morte te afastou de mim!
Miguel
Torga (1907-1995)