25.5.17

OPINIÃO: A imprensa dos comunicados

Pela primeira vez na história do jornalismo temos jornais a serem publicados sem jornalistas
O futuro da comunicação joga-se na Net, disso ninguém tem dúvidas. Os jornais em papel estão em queda. O hábito de ler o jornal na Net acentua-se. Hoje está na moda todos os organismos, desde empresas, associações e outros possuírem um site onde divulgam o seu trabalho e atividades. Alguns, pelo volume informativo e pela diversidade de material que publicam, até sonham e aspiram a assumirem-se como jornais. Nada mais errado: falta-lhes o distanciamento, a imparcialidade, o poder crítico, entre outros que caracterizam a imprensa. E os pseudojornalistas desses sites vivem nessa ilusão, pavoneiam-se e ufanam-se. Hoje todos comunicam, todos informam, facilidade trazida pelos novos canais de comunicação, como é exemplo a Net.
A crise da imprensa regional, com falta de dinheiro para pagar a jornalistas e a colaboradores, levou os órgãos informativos a publicar e a encher as suas páginas com o material enviado pelos gabinetes de imprensa que entopem completamente os emails dos jornais regionais com textos, fotografias e outros. Material sem ser digerido, sem poder crítico, sem imparcialidade, que só apresenta a versão de umas das partes, que esconde o que é negativo e apresenta o mundo cor-de-rosa e todos felizes. Uma vergonha, haver já jornais regionais que preenchem as suas páginas com o material dos comunicados de imprensa. Ainda assim, melhor isto que publicar as páginas em branco.
Uma coisa é certa e deixa-me triste: os comunicados de imprensa enviados para os jornais e colocados em sites , blogs, faces e outros, marcam cada vez mais a agenda dos media; ou seja, cada vez mais os jornalistas são os assessores de imprensa dessas entidades, basta abrir um jornal como a gazeta e povo da beira, e ver que a maioria dos textos são comunicados de imprensa. Brevemente a profissão de jornalista é extinta, ficando toda a produção jornalística a cargo e sob o domínio dos assessores de imprensa.
Mas há que dar um abanão a esta situação: os jornalistas, os já poucos na imprensa regional, devem repudiar os comunicados de imprensa e ir para o terreno fazer investigação, criticar, levantar problemas, denunciar, doa a quem doer, ou seja, divulgar tudo aquilo que os assessores de imprensa querem esconder e e omitem. Se assim não for, a profissão de jornalista extinguir-se-á. Reinarão os assessores de imprensa, o que será perigosíssimo a nível de informação e formação do público, que fica sob o domínio de uma espécie de propaganda que pode manipular toda a gente, ou seja, o leitor passará apenas a ter acesso aos duvidosos, não isentos, propagandísticos comunicados de imprensa. O leitor só serão informados daquilo que os assessores quiserem. Veja-se o perigo que isto representa, por exemplo, fazendo lembrar a propaganda nazi em que dava um estimulo (texto) para obter uma determinada resposta (reação no leitor. Caminhamos para uma nova época de manipulação das pessoas, que pode ser usado de forma infalível por exemplo em campanhas eleitorais.
Jornais sem jornalistas
Pela primeira vez na história do jornalismo, assistimos, impávidos (pelo menos a Entidade Reguladora para a Comunicação Social), imagine-se, ao aparecimento de jornais sem jornalistas. E perguntam como tal absurdo é possível?
Sim, desde que começaram a chegar os "tão fatídicos" comunicados de imprensa, preteriram o trabalho dos jornalistas, despediram-nos e rescindiram com eles. Publicam os comunicados de imprensa que chegam aos emails, com fotografias e tudo. E, em escassas horas paginam um jornal, sem ir para o terreno, sem gastar um cêntimo em gasóleo, sem pagar a colaboradores e jornalistas. Como é isto possível, perguntam. È verdade!! Os teóricos que se debrucem sobre isto. Onde estão os doutos teóricos da comunicação?
Todos os dias são criados gabinetes de imprensa, que florescem como cogumelos. Aproveitando, como já se disse a fragilidade financeira da imprensa regional. Por um lado, temos esses gabinetes em grande ascensão e, por outro todos os dias, fecham jornais. De modo que brevemente deixaremos de falar em imprensa dos jornais a passaremos a ter a imprensa dos gabinetes de imprensa. Será a ruína e o descalabro da imprensa, tal
Quantos jornalistas e colaboradores ficaram sem trabalho devido a esta situação? Muitos, na imprensa regional. Jornais que agora mantém 1 ou 2 pessoas na redação, que recebe o material, pagina e faz o jornal, com uma rapidez nunca dantes vista.
Mas o que está em questão é o aproveitamento que os gabinetes de imprensa fizeram da crise dos jornais. Estes caem como patinhos. Teriam outra solução? Claro que jornais regionais sérios (com algum poder financeiro, diga-se) como o Jornal do Fundão não reproduzem os comunicados de imprensa, reduzem-nos a breves ou diminuem-lhes a importância, cientes da sua falta de poder crítico e apresentar tudo bem e cor-de-rosa.
Editorial - Paulo Jorge F. Marques - 20/5/2017
Post-Scriptum1 - A página de facebook do Município de Nisa "noticia" a Feira do Queijo de Tolosa não como uma iniciativa organizada pela Junta de Freguesia com o apoio da Câmara, construindo um "texto" em que o evento gira à volta da presidente da Câmara, convidada para o efeito, menosprezando, melhor dizendo apagando, totalmente o trabalho da entidade organizadora. O resultado deste exercício de mera propaganda são 52 fotos da edil vestida de azul, num total de 64 reproduzidas pela página de facebuque. O que leva, inevitavelmente, à pergunta: Houve uma Feira do Queijo em Tolosa (como existe, aliás, desde há muitos anos) ou tratou-se, simplesmente, de uma passagem de modelos da edil?
Felizmente, o semanário "Alto Alentejo", ainda que dando um tratamento desmesurado à edil (não é técnica nem produtora de queijos) teve o bom senso de destacar, em fotos, os principais "actores" do evento: os produtores de queijo.
Post-Scriptum 2- A Câmara anuncia o lançamento de um livro, na próxima Feira do Livro, sendo um dos autores, o presidente da Assembleia Municipal de Nisa. Já é discutível que o próprio eleito aproveite uma iniciativa do município para "vender" um produto de que é co-autor, mas não ponho nisto muita ênfase. Dou de barato e sem custo, que é um cidadão com os mesmos direitos que todos os outros. O que me desgosta e tem a ver com o artigo acima, é que o mesmo seja apresentado no programa como o Autor do livro, quando é, apenas, um dos autores. E era nessa qualidade de co-autor que devia ser apresentado. Mais nada.
Mário Mendes