A cronologia sintetiza-se em poucos passos, mas é um bom exemplo de como o país consegue adiar e embrulhar medidas fáceis de aplicar. Há dez anos, o Governo de Passos Coelho decidiu tornar obrigatória a inspeção de motociclos com mais de 250 cc de cilindrada. Faltou, contudo, a regulamentação por via de uma portaria que nunca viu a luz do dia. O anterior Executivo de António Costa comprometeu-se a avançar, alargando o universo aos veículos com mais de 125 cc. Foi indicada a entrada em vigor a 1 de janeiro de 2022. Mais uma vez, nada aconteceu.
Com dois anos de atraso, o diploma do Ministério das Infraestruturas aponta agora para 1 de janeiro de 2024. Isto quando o número de mortes e acidentes envolvendo motociclos não pára de aumentar. No ano passado, de acordo com os dados disponíveis até novembro (esse é outro problema, a incompreensível demora na divulgação de estatísticas atualizadas), um quarto das vítimas de acidentes circulava em ciclomotores, apesar de esta categoria representar apenas 13,2% do total de veículos.
Dir-se-á, e é verdade, que a inspeção é por si só uma medida com pouco impacto na sinistralidade. Falta, por exemplo, melhor formação para conduzir veículos de duas rodas e insistência em ações preventivas, que reduzam o risco e promovam uma atitude mais defensiva. Mas o que esta demora de dez anos demonstra é uma crónica incapacidade para aplicar o que se decide e uma hesitação que arrasta no tempo medidas aparentemente simples. Mais ainda quando a politiquice e o ruído dos tão badalados casos e casinhos ameaçam sobrepor-se à gestão da vida pública.
Marcelo não quer voltar a comentar a crise política interna, tão desnecessariamente dramatizada na última semana. A generalidade dos portugueses também dispensa jogos táticos e instabilidades que desfocam os órgãos de soberania do essencial. É tempo de a credibilidade contar alguma coisa em política. E é tempo, sobretudo, de vermos um Executivo focado na resolução dos problemas do país, na definição de políticas públicas que promovam o desenvolvimento, na recuperação da confiança e da esperança dos portugueses. É tempo de termos um Governo que governe. Parece uma evidência, mas não tem sido o caso.
* Inês Cardoso - Jornal de Notícias - 7.5.2023