29.5.23

OPINIÃO: Um tiro nas festas populares

Aumentar as condições de segurança de eventos festivos e prevenir acidentes são princípios que, enunciados em termos teóricos, não merecerão discordância de ninguém. Contudo, a mais recente norma da Direção-Geral da Saúde (DGS) sobre eventos populares revela bem a distância que vai entre as boas intenções e as suas consequências práticas, sendo um exemplo acabado das decisões tomadas a regra e esquadro a partir de gabinetes em Lisboa.
A norma já entrou em vigor, embora a DGS admita que só agora estão em curso reuniões com diversas entidades, com o objetivo de "prestar esclarecimentos" e proceder à "implementação", essa bendita palavra que na prática significa enfrentar aquilo em que não se pensou no recuo dos grupos de trabalho. Ou, dito de outra forma, que mais uma vez se decide antes de ouvir quem está no terreno - os municípios, através da ANMP, não foram consultados, tal como não houve nenhum representante da Proteção Civil no grupo decisor.
Diz a norma que eventos com mais de mil pessoas, como festas populares, concentrações religiosas e celebrações desportivas, vão ser obrigadas a ter o apoio de bombeiros, ambulâncias com suporte básico de vida e equipa de enfermagem. Numa primeira leitura, diversos autarcas mostram apreensão com a complexidade das regras e evidenciam o óbvio: o cumprimento será particularmente difícil no interior do país, onde escasseiam os meios de assistência e saúde.
Qualquer festa de aldeia exigia já um número elevado (e caro) de licenças que contribui para que gradualmente muitas deixem morrer eventos tradicionais. Além do tema essencial dos recursos, a própria análise de normas e burocracias exigidas torna-se mais difícil em territórios menos povoados. Está na moda dizer que num país tão pequeno e próximo da costa falar de interior é um disparate. Em teoria a frase é muito interessante, na prática é desmentida pelas evidências: se não lhe querem chamar interioridade, chamem-lhe assimetria, mas que o país é desigual é uma evidência indesmentível.
* Inês Cardoso in Jornal de Notícias - 28.5.2023