Com mais ou menos requinte, são infindáveis os epitáfios já escritos dedicados ao modelo social europeu. A Europa tem muitas falhas endémicas, mas continua a ser o mais perfeito de entre os imperfeitos projetos de integração social e civilizacional do Mundo. De resto, parte considerável da sua inércia tem que ver precisamente com as hesitações naturais de um bloco político formado por culturas, línguas, economias, personalidades e conceitos democráticos diversos. São demasiadas vozes a tentar fazer-se ouvir numa sala onde todos ecoam.
A Cimeira Social do Porto pretende ser a mola inspiradora do salto urgente de que a Europa necessita. Num contexto de tremenda adversidade, não basta a Bruxelas acomodar os efeitos de uma crise sem precedentes. É preciso mais, é preciso olhar para depois dos curativos das feridas. Para um novo projeto social, de emprego, de desenvolvimento económico e de proteção dos cidadãos.
Só podemos concordar com tudo quando olhamos para a ambição dos princípios que deverão nortear a Declaração do Porto, donde avulta a criação de emprego digno, o esbatimento das desigualdades sociais e de género, sem esquecer, obviamente, a meta de retirar da pobreza pelo menos 15 milhões de pessoas até 2030, alcançando uma taxa de emprego na União Europeia de 78%.
Não será certamente neste fim de semana que o Velho Continente vai operar uma revolução no seu modo de relacionamento com a realidade, mas num sistema político tão complexo e manietado por demasiados egoísmos, é retemperador perceber que a Europa começa finalmente a assumir que uma política de via única assente nos cenários macroeconómicos, na austeridade e no défice está condenada à pobreza. Que a verdadeira integração e igualdade de oportunidades só se almejam convocando as pessoas, não deixando ninguém para trás. Dito assim, parece fácil. Mas não é. Porque, mais uma vez, a Europa está confrontada com a sua maior fraqueza: a incapacidade de transformar princípios generalistas unânimes em algo palpável, que mude efetivamente a vida dos cidadãos e os aproxime. Se nos fosse permitido um desejo romântico para inscrever a quente no granito da Invicta, seria este: que um novo modelo social de bem-estar obrigue a Europa a passar de um Porto sentado para um Porto sentido.
* Pedro Ivo de Carvalho - Jornal de Notícias - 8/5/2021