5.12.12

À FLOR DA PELE - Lídia Pereira: Uma nisense na alta roda do atletismo

É uma mulher alentejana, nascida em Nisa e moldada para a vida e para o desporto em terras da Beira Alta. É uma “quase” desconhecida no panorama do atletismo nacional, mas o seu currículo de atleta impressiona, não apenas pelo número de títulos e recordes, mas porque aos 45 anos, esta professora de educação física em Viseu, continua a dar mostra de uma humildade e perseverança que faz dela um dos grandes exemplos de mulher e desportista.
Nisa, terra de grandes atletas
Morujo Júlio, Luís Costa e Ricardo Mateus, atletas de eleição, nasceram ou cresceram no concelho de Nisa, berço natal de Lídia Maria Esteves da Graça Santos Pereira, que viu brilhar os primeiros raios de sol numa casa da Praça da República, a dois passos do jardim, a sua primeira pista de atletismo.
“Nasci em Nisa, o meu pai, Albertino dos Santos, foi relojoeiro durante 28 anos na Ourivesaria do Sr. Pina e a minha mãe Ivete Graça, era modista. A minha tia Elisa tinha um salão de cabeleireira em minha casa, o que contribuiu para que eu ficasse a conhecer muitas pessoas já adultas em Nisa, nos poucos anos em que aí vivi. Em Abril de 1975, com 8 anos, fui viver para Mangualde. A minha primeira corrida foi na Igreja Matriz de Nisa, com três anos. Quando vi a passadeira em direcção ao altar, achei que era uma pista de atletismo e desatei a correr no máximo das minhas forças, tendo a minha mãe ficado tão envergonhada, que jurou que tão depressa não me tornava a levar à Igreja.”
 Desporto escolar marca o rumo
Em Mangualde, as competições na escola e inter-escolas começaram a traçar o rumo e a apetência de Lídia Pereira pelo desporto, revelando-se, especialmente, nas corridas.
“No ano lectivo 80/81 venci o corta-mato da minha escola. O meu professor de Educação Física foi convidado para formar uma equipa de Atletismo na Casa do Povo de Mangualde e levou-me para essa equipa, bem como aos melhores atletas da escola. Até aos 22 anos fui sempre atleta no mesmo clube, tendo o atletismo sido uma mais-valia no meu crescimento, pois foi assim que visitei inúmeras localidades no país, acabando por ser o atletismo uma fonte de conhecimento e de cultura da minha vida. Como atleta da Casa do Povo de Mangualde participei em todo o tipo de corridas: em estrada, corta-mato e algumas provas de pista, sendo a maior parte das vezes campeã distrital de Viseu e ia participando em campeonatos nacionais.         Em 1989, tendo terminado o curso de professora, o meu clube precisou de uma atleta para participar na prova de marcha atlética no campeonato nacional de clubes. Com pouca preparação fui logo 3ª no nacional, levando a obtenção deste resultado a que eu me quisesse dedicar mais à marcha atlética. Entretanto, nesse ano, consegui colocação numa escola do Porto.
Na época 89/90 ingressei na equipa de Atletismo do Boavista F. C. e dediquei-me apenas à marcha atlética nos seis anos seguintes. Fui várias vezes convocada para Estágios da Selecção Nacional, integrada na alta competição e fiz parte da primeira equipa feminina portuguesa que participou numa Taça do Mundo de Marcha, em 1993, no México. Entretanto aos 28 anos parei, casei e tive uma filha.”
Para muitas mulheres, o casamento, a profissão, a vida familiar, marcam o fim de carreiras desportivas que se auguravam promissoras. Não foi o caso de Lídia Pereira. A “promessa” transformou-se em certeza e numa atleta de eleição, uma autêntica globe-trotter de estradas e percursos pedestres, sobretudo, em Portugal e Espanha.
“Regressei à marcha atlética com 38 anos, incentivada pelo treinador de atletismo do Sport Viseu e Benfica, que me dizia sempre que eu ainda podia fazer alguma coisa no Atletismo. Continuei a ter o mesmo treinador que treinava a equipa do Boavista, comunicando com ele apenas por telefone e e-mail. Recomecei na marcha, pois só conseguia correr cerca de doze minutos, ao fim dos quais ficava com dores nos joelhos e tinha de parar. Aos poucos fui conseguindo fazer mais tempo de corrida sem dores e, por brincadeira atrevi-me a participar na Meia Maratona de Ovar. Gostei tanto, que nunca mais falhei esta prova, procurando sempre fazer melhor. Refira-se que comecei por fazer cerca de 1h 43m (2005) nesta prova e cinco anos depois fiz 1h 23m. Em 2008 fiz a 1ª Maratona e com o regresso à Casa do Povo de Mangualde em 2009 deixei de fazer provas de marcha e dediquei-me só à corrida, porque os resultados iam sendo bons, sobretudo na Maratona. Este ano na 9ª Maratona do Porto, completei também a minha 9ª Maratona.”
Prática desportiva e conciliação de papéis
Conciliar o papel de mulher, mãe, professora e atleta, é um desafio que muitas desportistas não conseguem levar a bom porto. Para Lídia Pereira, o segredo, está na organização e na determinação que põe em superar obstáculos.
“Consigo ter tempo para fazer o que é necessário, porque sou muito organizada. Todos os dias penso no que tenho que fazer no dia seguinte e levanto-me cerca das 5h 30m, podendo variar um pouco, mas de modo que tenha tempo para fazer o que é preciso. Praticar desporto ajuda a disciplinar o tempo. O apoio de toda a família, em especial do meu marido também é importante para ultrapassar as dificuldades do dia a dia. Os incentivos dados pelo actual treinador, João Amaral, também são relevantes para que eu tenha autoconfiança. Este apoio e esta confiança, com a minha vontade de fazer mais e melhor, ajudam a derrubar todos os obstáculos que se me deparam diariamente, apesar de os anos irem sendo cada vez mais em cada perna.”
Diz o povo que “quem corre por gosto não (se) cansa”. Haverá quem pense, no entanto, que as provas de atletismo proporcionam benefícios monetários, para além de reconhecimento pessoal e social. Lídia Pereira, com a experiência de muitas corridas, revela-nos suas motivações.
Só enquanto fui atleta do Boavista F. C. é que recebi um subsídio mensal do clube. Neste momento vou ganhando alguns prémios monetários, mas com a actual crise os prémios neste momento estão a ser menores. De qualquer modo, “ganha-se” a satisfação pessoal de se fazer uma coisa que se gosta, ocupo o tempo com algo que dá prazer, não gasto dinheiro em ginásios para manter a forma e vou convivendo com muita gente pelo país fora e também por Espanha. Além disso, tenho a 3ª “caixa de sapatos” quase cheia de medalhas e uma sala a ficar sem espaço para os troféus.”
“Fazer o que se gosta” é o bastante para transformar esta mulher de 45 anos, numa atleta capaz de competir em provas que requerem uma grande preparação, esforço e “dose”, gigante, de estoicismo.
“Sempre que vou competir, a minha maior adversária sou eu mesma. Penso sempre que se conseguir chegar ao fim já é bom, se conseguir melhorar a marca do ano anterior e se bater um recorde ou ficar num bom lugar será ainda melhor. Tenho espírito de sacrifício e vontade de fazer sempre melhor. Desafiar os meus limites, é uma constante. E isso é feito diariamente, pois cumpro o plano de treino quer chova, neve, faça frio (em Viseu no 
Inverno há muitas manhãs com temperaturas negativas) ou calor.
Três ou quatro meses antes de uma maratona faço em média 25 km/dia, com treinos bidiários algumas vezes na semana, aproveitando o domingo para um treino de cerca de 2h. No entanto, enquanto faço essa preparação vou fazendo todo o tipo de provas. Não arrisco preparar-me exclusivamente para uma maratona alguns meses, havendo a possibilidade de chegar o dia da prova e ficar doente, de estar muita chuva, vento ou frio que me impeçam de fazer uma boa prova.”
O futuro do atletismo e recordações de Nisa
Participante em milhentas corridas pedestres, Lídia Pereira tem opinião sobre o presente e futuro do atletismo em Portugal e o desempenho a nível internacional, nomeadamente, nas corridas, perante uma concorrência tão forte como é a dos africanos.
“Os africanos dominam todas as corridas em que participam, afugentando os atletas de topo, mas algumas organizações já fazem lista de prémios só para atletas portugueses. Talvez a crise, com a redução das verbas para o desporto e para prémios venha a alterar a invasão de africanos que se faz em muitas corridas pelo país fora.
Aos melhores atletas jovens do país a federação de atletismo deveria proporcionar um grande acompanhamento de modo que os atletas logo jovens conciliassem os estudos com os treinos e competições.
A maior parte dos atletas portugueses que são profissionais tem a falta de espírito de sacrifício e de sofrimento em competição, o que os leva a desistir à menor dificuldade, ou não sabem perder e desistem também se não ganharem.”
Havia tanto para falar, mas o espaço escasseia. Peço-lhe que me fale das recordações de Nisa e da sua relação com a terra-mãe e, a finalizar desejo-lhe que continue, com essa “pedalada”, a elevar bem alto o nome de Nisa e do Alentejo.
“ Recordo as pessoas da terra sempre com saudades. Corro sempre com uma medalhinha ao pescoço que me foi oferecida pela D. Maria Polido, quando nasci. Sempre mantive o contacto com algumas pessoas da terra, como o casal D. Henriqueta e Sr. Tomás Mariano que sempre acompanharam a minha carreira desportiva. Cada vez que visito Nisa tenho um dia feliz e aproveito para trazer para Viseu alguns produtos (adoro o queijo, queijadas, empadas, rebuçados de ovos, bolos de azeite, cavacas). No Natal gosto muito de filhós e azevias, não há como as de Nisa e, por isso, mesmo em Viseu a minha família continua a fazer as filhós alentejanas.
Valorizo muito as pessoas da minha terra, em especial as mulheres, que considero terem “mãos de fada”, pois as rendas e bordados são de uma distinta beleza e perfeição. Fazer o trabalho bem feito é algo que eu procuro também fazer sempre.”
 A grande “pedalada” da Lídia
Lídia Pereira é uma atleta de grande “pedalada”. Começou na marcha atlética, onde foi internacional, ganhou títulos e bateu recordes. Passou à corrida e o seu percurso tem sido notável, seja nas provas de curta, longa ou muito longa, distâncias.
Do seu riquíssimo palmarés, deixamos o registo, apenas, das provas que nos parecem mais significativas.
1981 – 1989 Casa do Povo de Mangualde – Treinadores: António Leal e Carlos Amaro
- Campeã distrital de Viseu em vários escalões, em estrada e corta-mato, a nível federado e escolar; Participação nos campeonatos nacionais todos os anos.
 MARCHA ATLÉTICA
Boavista FC – Treinador: Mário Paiva (1989- 1995)
- 13 vezes campeã distrital e estabeleceu 15 vezes recordes regionais do Porto em Marcha Atlética, nos 3 Km, 5 km, 10 km, ½ Hora e 3 km Pista Coberta;
- 3º lugar no Nacional de Pista Coberta em 1990;
- 3º lugar no RanKing Anual, nos 10 Km Marcha, em 1990;
- Em Campeonatos Nacionais de Marcha em estrada obteve: um 4o lugar, 6 terceiros e um 2º lugar;
- 1ª Internacionalização – Portugal/Espanha em Marcha (6º lugar - 2ª portuguesa), em 1990;
- 2ª Internacionalização - Taça do Mundo de Marcha no México, em 1993 (68º lugar- 3ª portuguesa);
  - Campeonato Nacional de Clubes da 1ª Divisão em Atletismo (1º e 2º lugar individualmente); Campeã Nacional da II Divisão por equipas;
- Participou em Estágios da Selecção Nacional de Marcha Atlética por nove vezes
Sport Viseu e Benfica (2004-2005) – Treinador: Mário Paiva
- 3ª Internacionalização - Vice-Campeã da Europa em Veteranos, nos 20 km Marcha – Monte Gordo (2º lugar);
- 4ª Internacionalização - Campeonato do Mundo de Veteranos – San Sebastian (5º lugar);
- Recordista de Viseu na Marcha – 3km pista coberta, 5km, 10 km, 15 km e 20 km
GD “Os Ribeirinhos”- Viseu (2005 – 2009) – Treinador: Mário Paiva
- Recordista de Viseu de marcha, melhorando as marcas que tinha feito no clube anterior;
- Recordista nacional de 20 km Marcha, em veteranas, dos 40 aos 44 anos;
CORRIDA
- 1ª Maratona – Maratona “Carlos Lopes”, Lisboa - Estabeleceu o recorde de 
Viseu da Maratona no sexo feminino em 2008 e foi Vice-Campeã Nacional (2º lugar, 2ª portuguesa), tendo sido melhorado na Maratona do Porto desse ano;

- Maratona Carlos Lopes (2009) – 5º geral, 3ª portuguesa.
Casa do Povo de Mangualde – Desde 2009 – Treinador: João Amaral
- Maratona do Porto (2009) – 5º lugar, 3ª portuguesa;
- Maratona do Porto (2010) – 3º lugar e melhor portuguesa – recorde de Viseu;
-1º lugar na Meia Maratona de Cáceres (2011)
- Campeã Distrital de corta-mato em 2010, - 2011 e vice-campeã em 2012;
- 1º lugar na Meia-Maratona “La Reserva de 4 Calzadas” – Salamanca (2011);
- 3º lugar na Maratona de Bilbao (2011);
- Vice-Campeã Nacional de Maratona – na Maratona de Lisboa (2011 - 3º lugar e 2ª portuguesa);
- 3º lugar na Ultra-Maratona Melides-Tróia (2011 e 2012);
- 2º lugar na Meia Maratona Ciudad Rodrigo, em 2011 e 2012;
- 3º lugar no Campeonato Nacional de Veteranos em Corta-Mato (2012);
- Campeã Nacional de Corta-Mato por equipas (2012);
- 1º lugar na Maratona de Badajoz em 2012 – recorde de Viseu;
- Campeã Nacional por equipas em Montanha em 2011 e Vice-Campeã em 2012;
- 3º lugar individual no Campeonato Nacional de Montanha em Veteranos (2012);
- 6º lugar na Maratona do Porto, melhor portuguesa (2012).
 Mário Mendes in "Alto Alentejo" - 5/12/2012