DINHEIROS PÚBLICOS, USO PRIVADO
1. Nestes dias, em que o natal
ultrapassa o sentido estritamente religioso, para procurar transmitir algum
conforto humano e espiritual, visitei familiar que ingressou, de forma
certamente definitiva, em lar de idosos. No caso, um estabelecimento gerido por
uma santa casa da misericórdia, que tem (como todas as congéneres) estatuto de
instituição privada, mas de SOLIDARIDADE
SOCIAL...
2. O lar em causa, ainda novinho
em folha, muito acolhedor, ao que me pareceu, prima pela excelência do serviço
prestado. Muito humanizado, com o NÚMERO DE UTENTES ADEQUADO a um espaço deste
tipo (25 utentes na valência de «internamento»), para não cair na condição (de
tantos, com mais de uma centena de utilizadores) de «armazém» de velhos, frio e
desumanizado.
3. Foi CONSTRUÍDO COM DINHEIROS
PÚBLICOS, conjugando o financiamento de dois fundos comunitários e recursos
financeiros municipais, que quase asseguraram o custo total da obra. Obviamente
(não é nenhum «lar» clandestino da periferia da grande Lisboa) teve, no momento
certo, o PARECER FAVORÁVEL DA SEGURANÇA SOCIAL portuguesa.
4. Acabada a obra, no momento da
entrada em funcionamento, o estado português não assegurou o financiamento
habitual neste tipo de situações para, assim, quem tem reformas baixas, recursos
exíguos, poder ingressar, nomeadamente, em primeira mão a população local mais
pobre e necessitada. Tanto mais que, muitas vezes, para viabilizar estas
iniciativas, OS HABITANTES DA TERRA DÃO
GENEROSO CONTRIBUTO através das mais
variadas iniciativas (festas, donativos, etc.)...
5. Na circunstância, obviamente
SÓ HÁ UTENTES QUE (eles mais os filhos) PODEM
PAGAR o que rivaliza com o que custa a estadia em lar privado (largas
centenas de euros, mensalmente).Com a agravante (natural, decorrente deste
contexto de formulação de preços) de a maioria dos que conseguem entrada serem
forasteiros, o que, sem ser mal na proporção adequada, se desmedidamente, ofende
a população local, nomeadamente a mais pobre.
6. O estado, por opção, pode
entender, momentaneamente, não financiar a construção de novos equipamentos
para apoio à terceira (e cada vez mais quarta) idade. A nosso ver, opção
errada, mas politicamente «legítima». O que não pode ser é, a uma organização
que, estatutariamente, deve, prioritariamente, SERVIR OS MAIS HUMILDES, depois
desse mesmo estado aprovar candidaturas a fundos públicos, pagar a obra na
quase totalidade, não estabelecer os acordos de cooperação que comparticipem
adequadamente o ingresso, em primeira mão, de quem mais precisa e merece apoio
social.
7. Se entenderem, não financiem
obras novas por algum tempo... Mas, àquelas que foram edificadas com dinheiros
públicos, forneçam URGENTEMENTE O APOIO FINANCEIRO que garanta que se serve
quem mais precisa e não apenas os que podem pagar. Deixem esse papel para os
lares de iniciativa privada que, legitimamente, têm o seu espaço no apoio aos
idosos. Aí, sim, que os que, livremente escolhendo assim, sabem o que têm a
pagar...
8. Insistimos.O que não está bem
é um lar construído com dinheiros públicos e gerido por organização do setor
social, por falta de apoio do estado no seu funcionamento, não seja capaz de
dar prioridade a quem mais necessita, independentemente dos seus rendimentos.
Ao menos, no contexto e
condições da época , OS ASILOS DE OUTRORA serviam para albergar os pobres e
«mendigos»...
* José Manuel Basso - Médico Gerontologista