A carta aberta está cheia de slogans, dos que colhem inevitável concordância e simpatia por parte de qualquer pessoa. "A Humanidade é mais importante do que o nosso dinheiro", justificam os 83 milionários de sete países que desafiam os seus governos a aumentar impostos, de forma permanente, sobre os mais ricos, como parte da receita para atenuar a crise mundial provocada pela covid-19.
Entre o discurso apelativo dos subscritores da proposta, há uma frase que se revela particularmente acertada, no que pressupõe de visão de longo prazo para combater as desigualdades: os problemas que a pandemia revelou e agravou "não podem ser resolvidos com caridade". À medida que se degrada a situação das empresas, aumenta o desemprego e se fala em novos sem-abrigo, cada vez mais jovens, este é o tempo de pensar que respostas queremos dar, assistencialistas ou focadas numa mudança de políticas para melhor redistribuição social.
O relatório "Global Wealth Report 2019" apontava para a existência de 117 mil portugueses com património acima de 900 mil euros, mas apenas dois com fortunas acima de 500 milhões. Taxar os muito ricos não seria grande solução em Portugal, onde se pode argumentar que um dos entraves ao crescimento é precisamente a inexistência de grandes fortunas. Mas o debate serve pelo menos para colocar em cima da mesa outras discussões, da evasão fiscal às offshores (recorde-se que só por proposta de partidos da Oposição foram proibidos, no Orçamento do Estado Suplementar, apoios públicos a empresas com sede em paraísos fiscais).
Depois dos discursos românticos do início do confinamento, não restam grandes dúvidas de que económica e socialmente tudo acabará por ficar na mesma. Esta é a semana de arranque das conversações do Governo com os partidos para o Orçamento do Estado de 2021 e essa poderá ser, ainda assim, uma oportunidade para perceber em que direção segue António Costa. Esquerda e Direita são conceitos que se diluem cada vez mais nos modelos tecnocratas globais, mas as opções ideológicas verdadeiramente contam na hora de fazer escolhas de impacto social.
Inês Cardoso in "Jornal de Notícias" - 13/7/2020