19.7.20

NISA: Tradições e Etnografia - Os Corcovados (I)

Têm um nome um tanto estranho, Os Corcovados, grupo que noutros tempos se exibia em Nisa, em dias certos no ano, e que desapareceu do rol das apresentações folclóricas e etnográficas que ocorriam na nossa terra. 
O Rancho Típico das Cantarinhas de Nisa ainda tentou, por diversas vezes, reanimar este grupo e chegou mesmo a apresentá-lo com exibições públicas em dias festivos e eventos de grande significado para a vila e concelho, como mostram as fotos que aqui deixamos.
Outro tanto fez a Associação Nisa Viva, mas sem resultados palpáveis. Há cada vez menos jovens e adultos em Nisa e dispostos a integrarem um grupo com estas características, apesar de o mesmo constituir uma referência nas raras apresentações públicas que faziam.
O professor José Francisco Figueiredo refere-se a este conjunto etnográfico nas páginas da "Monografia", texto que publicamos para uma melhor compreensão da sua estrutura e objectivos.
"Embora com feição um tanto carnavalesca, participando bastante do folclore e etnografia adstritos às regionais contradanças, a exibição dos Corcovados só se fazia outrora no Domingo de Páscoa e respectiva oitava. É por isso que, nesta altura, a ela aludimos.
A origem deste agrupamento, constituído tradicionalmente por doze pares de gibosos (1) - com indumentária típica - perde-se na incerteza dos séculos.
Com acompanhamento de harmónio ou outro qualquer instrumento, os doze pares (talvez alusão histriónica aos doze pares de França) proporcionavam, no Domingo de Páscoa e dias imediatos, animada diversão aos seus conterrâneos.
Dispostos em duas filas, faziam várias evoluções, dançavam, cantavam e, na precisa altura, com suas cacheiras enramelhatadas, mutuamente percutiam os dorsos, nos quais avultava a saliência do corcho oculto sob a andaina (2). Era o melhor para o gozo da miudagem.
E os figurantes não se saiam mal ao findar a dança: o peditório rendia-lhes sempre farta colheita! Nem com outro sentido eles cantavam a tradicional quadra propiciatória: 
Já cá vêm os Corcovados
Com a sua eleição
Vêm dar as boas festas
Aos senhores que aqui estão (3)
Durante dezenas de anos, este antiquíssimo rancho folclórico deixou de exibir-se em Nisa, considerando-se já no rol das tradições mortas. Fê-lo ressurgir em 1944 a iniciativa da Casa do Povo e do Grémio da Lavoura, só para figurar na Exposição das Actividades Corporativas do Distrito, realizada em Portalegre naquele mesmo ano. A interessante reconstituição foi um dos números de maior agrado ali exibidos."
Notas
(1) Gibosos - Que tem giba; corcovado; Convexo; com bojo. (in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2020, https://dicionario.priberam.org/
(2) - Andaina -Disposição de coisas ou pessoas em linha; fileira; renque; conjunto das peças do vestuário ou das velas da embarcação.
(3) - As quadras que acompanham a representação, variam, sendo esta, geralmente, a mais usada, com pequenas nuances. Refira-se, a propósito, um disco (CD) de 1994, intitulado "Tempos Vários" de O Semeador - Grupo de Cantares de Portalegre, que entre várias cantigas recolhidas no concelho de Nisa, tem uma, "Os Corcovados" com os versos que mostramos. Um trabalho exaustivo sobre os Corcovados, da autoria de Margarida Ribeiro (15/11/1911 - 6/5/2001) foi publicado na Revista de Etnografia e compilado pelo "Correio de Nisa". É um trabalho que pretendemos dar a conhecer aos visitantes do Portal de Nisa, logo que tenhamos oportunidade.
Aqui ficam as quadras dos Corcovados, pelo Grupo de Cantares de Portalegre:

CORCOVADOS
Aí vêm os Corcovados
Com a sua eleição
Vêm dar as boas festas
Aos senhores que aqui estão

Já lá vão dezoito anos
Que os viemos visitar
Uns amigos como estes
São sempre de estimar

A azeitona miudinha
Toda vai para o lagar
Toda a moça que é bonita
Diz ao pai que quer casar

Mangerona bate à porta
Alecrim vem ver quem é
São os olhos de Maria
Vêm falar a José

Mariquinhas lava a loiça
Com sentido no amar
Dá-lhe uma promete-lhe outra
Fica a loiça por lavar

O lagarto coitadinho
Está enterrado na areia
Quem o for desenterrar
Ganhará uma tuta e meia

Meus senhores, minhas senhoras
Passem todos muito bem
Vou dar a despedida
Não sei se a darei bem.