É longa a lista de contextos históricos em que, por razões
objetivas e subjetivas, os povos foram conduzidos a terem de encarar a questão
da sustentabilidade das contas públicas como algo imperativo, que tudo submete.
Não poucas vezes tal "restrição" serviu para a imposição de agendas
políticas não sufragadas, daí resultando injustiças e violências sobre os
povos. A financeirização da economia aprofundou o argumentário que justifica a
preocupação com tal sustentabilidade e vem subjugando a vida das pessoas ao
"controlo do défice". Contudo é evidente que os cenários apresentados
para nos condicionarem têm por detrás, amiúde, movimentos financeiros
especulativos, manipulações de diverso tipo e múltiplos atentados à democracia.
O ministro das Finanças não mostrou até hoje apetência para
ditador, não parece ser um homem deslumbrado com ambientes de salões e tem dado
sinais de não pactuar com casos de compadrio e corrupção. Então, por que razão
Mário Centeno contribui, através das suas análises e pronunciamentos públicos,
para condicionar a margem de manobra das políticas em várias áreas,
nomeadamente, nas que são estruturantes do desenvolvimento da sociedade, como
por exemplo: a saúde, a educação, aspetos centrais da legislação do trabalho,
as infraestruturas? Por que razão se preocupa tanto em credenciar a lógica da
política orçamental da União Europeia, quando muitos - talvez incluindo ele
próprio - sabem perfeitamente que essa lógica está errada? É possível que
considere essa sua posição fator importante para a melhoria da notação da
dívida pública pelas agências de rating, mas pode estar a subestimar os
impactos negativos no crescimento económico vindos de uma consolidação
orçamental exagerada que, paradoxalmente, essas mesmas agências poderão invocar
para não melhorarem a notação da dívida. E, entretanto, vai introduzindo
limitações às políticas que sustentam o desenvolvimento da sociedade portuguesa
e comprometendo os objetivos de governação à Esquerda.
Senhor ministro, falar como a Direita - atitude que por vezes
parece ser a sua - pode, como sabe, levar-nos, consciente ou inconscientemente,
a pensar como a Direita. Uma coisa é certa, tal opção não conduzirá a qualquer
alternativa sustentada à Esquerda. Precisamos que o Senhor ministro seja
criativo e não um mero executor de regras e regulamentos. Criativo e rigoroso
na gestão dos nossos recursos e das contas públicas; criativo na construção de
medidas que controlem e moralizem o setor financeiro, desarmem os negócios de
favor das PPP, os sistemas de rendas excessivas e outras patifarias organizadas
onde "o mesmo euro" ficou comprometido várias vezes; criativo e
discreto na identificação de sugestões para a governação resolver os problemas
do povo português; criativo nas propostas que, em nome de Portugal, é preciso
apresentar no Eurogrupo, na Comissão e noutras instâncias.
Precisamos que o ministro das Finanças faça análises e
combate político com objetivos imediatos e com dimensão estratégica. É uma
evidência que vários dos grandes desafios que se colocam em áreas estratégicas
que já mencionei, na economia em geral, na estrutura e capacitação da
Administração Pública decorrem de erros acumulados durante longos períodos e de
novas exigências do desenvolvimento que queremos. E, acima de tudo, eles
espelham o lastro negativo deixado pelas políticas austeritárias que o Governo
PSD/CDS e a troika nos impuseram.
O caminho a seguir não pode ser o do amedrontamento e
cedência à Direita. Foi encetado um rumo que deve ser prosseguido sem
hesitações. Necessitamos de um sistema público de saúde de qualidade disponível
para todos, de melhorar a nossa escola para colocar mais jovens no Ensino
Superior e formar os muitos adultos que têm qualificações insuficientes, de
melhorar o acesso e eficácia da justiça. Isso far-se-á capacitando os
profissionais destas áreas, contratando mais e assegurando-lhes carreiras e
remunerações decentes. Precisamos de mais e melhor emprego o que implica
continuar a melhorar o salário mínimo nacional, a assegurar diálogo e
negociação, desde as empresas ao nível nacional, e a revitalizar a negociação
coletiva.
Manuel Carvalho da Silva - Jornal de Notícias - 7/2018