Todos os anos seis mil mulheres portuguesas descobrem que
têm cancro da mama. É o cancro com maior taxa de incidência em Portugal e a
tendência será para continuar a aumentar. Embora cada vez mais universal,
continuamos a ter uma imagem tão violenta da doença, nos tratamentos como nas
taxas de mortalidade, que nos custa a encará-la e gela-nos quando nos toca de
perto.
Figuras públicas como Fernanda Serrano, Simone de Oliveira,
Sofia Ribeiro ou, mais recentemente, Bárbara Guimarães são o rosto conhecido de
uma luta que é de milhares. Com a diferença de se verem confrontadas com
perguntas e uma exposição que em muitos momentos lhes dará conforto mas
noutros, seguramente, uma invasão da concha de que nos dias mais duros
precisarão para se proteger.
A mediatização do cancro, nos últimos anos, fez muito pela
sensibilização e prevenção. Mas há igualmente riscos nessa projeção. Desde logo
para os próprios, que terão dificuldade em manter reserva e espaço quando
precisarem deles. Mas também na simplificação de um discurso público que tende
a usar uma linguagem de combate para enaltecer os guerreiros que vencem a
doença.
O otimismo e a vontade são armas cientificamente comprovadas
na luta contra o cancro. Mas não são as únicas, em processos multifatoriais
influenciados por tantas variáveis. Um discurso público que enaltece a força
dos que ficam curados ou em remissão corre o risco de criar a sensação de que
quem caiu não lutou ou amou a vida o suficiente.
Na luta contra o cancro não há receitas únicas, porque cada
caso é único. Nem há uma atitude certa para enfrentar a doença: há a que cada
um escolhe no seu próprio combate. Seja partilhando publicamente o que sente
ou, pelo contrário, protegendo-se na intimidade e total introspeção. A ciência
é bastante exata. As respostas e escolhas individuais, nem por isso.
Inês Cardoso in “Jornal de Notícias” – 20/8/2018