O deslumbramento pelo “moderno” em oposição ao "antigo” colide, amiúde, com a “poesia
das raízes”, traduzida no “viver e crer e sentir” de que falava Herculano no
seu estudo Duas épocas, dois monumentos ou a Granja Real de Mafra (1843).
Dada a voragem do tempo que corre e face à prioridade que é
concedida a tudo o que começa do zero, em prejuízo daquilo que já existe,
torna-se imperioso opor à “utopia das miragens” o desejo de reabilitar,
vivificando o território herdado, sob o signo da autenticidade humana, enquanto
fundamento primacial dos centros históricos.
Como qualquer árvore, o centro tem a sua raiz. Constitui o
ponto de referência da cidade ou da vila. Se estiver cuidado e limpo, se for
seguro, poderá funcionar como um espelho para todas as freguesias de cada município.
Em oposição às cidades e às vilas, há múltiplas experiências,
ditadas por “miragens disruptivas”, que servem somente para devorar as raízes,
ajudando ao despovoamento do centro e ferindo de morte o comércio local, sem
esquecer (passe a ironia) o “precioso” legado aos vindouros de montanhas de
encargos por liquidar.
Não está em causa a lição de Augusto de Campos, inscrita no
seu livro Verso, Reverso e Contraverso, apelando à luta até à morte pelo “novo”
em relação ao “antigo” e até à vida pelo “antigo” em relação ao “novo”,
porquanto “o antigo que foi novo é tão novo como o mais novo”.
Do que se trata é de evitar que as vilas e as cidades se
destruam na razão directa do que, supostamente, nelas se “constrói” ou “reconstrói”.
Com efeito, é possível inovar sem perder o sentido do adquirido: basta “casar”
a “modernidade” com o “fascínio original” das raízes de cada “árvore-cidade”,
de cada “árvore-vila”, de cada “árvore-pessoa”.
José Miguel Noras *
Comunicação feita em Nisa em 26 Fevereiro de 2008
Um estudioso do
património e dos centros históricos
José Miguel Correia Noras, nasceu em Póvoa da Isenta (Santarém)
em 1 de Fevereiro de 1956. Foi secretário-geral da Associação Portuguesa dos
Municípios com Centro Histórico, membro do Centro Lusíada de Estudos Tecnológicos
de Arquitectura e presidente da Câmara Municipal de Santarém (1992-2002).
Foi deputado à Assembleia da República (VIII Legislatura),
membro do ConselhoGeral da Comissão Nacional da UNESCO, presidente da
Assembleia Distrital de Santarém e membro do Conselho Consultivo do IPPAR.
A criação do Dia Nacional dos Centros Históricos
Portugueses, em 28 de Março de 1993, ficou a dever-se a uma proposta da sua
autoria.
Foi condecorado pelo Presidente da República, Jorge Sampaio,
em 1997, com a comenda da Ordem do InfanteD. Henrique e em 2006, o grau de
Grande Oficial da Ordem do Mérito, enquanto que o Governo lhe outorgou, em
Fevereirode 2005, a
Medalha de Mérito Cultural da República Portuguesa.
Mercê dos trabalhos realizados em prol da valorização do
património cultural no Brasil, o presidente Fernando Henrique Cardoso
condecorou-o, em 2002, com a Ordem de Rio Branco.