6.8.18

CENTRO HISTÓRICO: a poesia das raízes e a utopia das miragens

O deslumbramento pelo “moderno” em oposição ao "antigo” colide, amiúde, com a “poesia das raízes”, traduzida no “viver e crer e sentir” de que falava Herculano no seu estudo Duas épocas, dois monumentos ou a Granja Real de Mafra (1843).
Dada a voragem do tempo que corre e face à prioridade que é concedida a tudo o que começa do zero, em prejuízo daquilo que já existe, torna-se imperioso opor à “utopia das miragens” o desejo de reabilitar, vivificando o território herdado, sob o signo da autenticidade humana, enquanto fundamento primacial dos centros históricos.
Como qualquer árvore, o centro tem a sua raiz. Constitui o ponto de referência da cidade ou da vila. Se estiver cuidado e limpo, se for seguro, poderá funcionar como um espelho para todas as freguesias de cada município.
Em oposição às cidades e às vilas, há múltiplas experiências, ditadas por “miragens disruptivas”, que servem somente para devorar as raízes, ajudando ao despovoamento do centro e ferindo de morte o comércio local, sem esquecer (passe a ironia) o “precioso” legado aos vindouros de montanhas de encargos por liquidar.
Não está em causa a lição de Augusto de Campos, inscrita no seu livro Verso, Reverso e Contraverso, apelando à luta até à morte pelo “novo” em relação ao “antigo” e até à vida pelo “antigo” em relação ao “novo”, porquanto “o antigo que foi novo é tão novo como o mais novo”.
Do que se trata é de evitar que as vilas e as cidades se destruam na razão directa do que, supostamente, nelas se “constrói” ou “reconstrói”. Com efeito, é possível inovar sem perder o sentido do adquirido: basta “casar” a “modernidade” com o “fascínio original” das raízes de cada “árvore-cidade”, de cada “árvore-vila”, de cada “árvore-pessoa”.
José Miguel Noras *
Comunicação feita em Nisa em 26 Fevereiro de 2008
Um estudioso do património e dos centros históricos
José Miguel Correia Noras, nasceu em Póvoa da Isenta (Santarém) em 1 de Fevereiro de 1956. Foi secretário-geral da Associação Portuguesa dos Municípios com Centro Histórico, membro do Centro Lusíada de Estudos Tecnológicos de Arquitectura e presidente da Câmara Municipal de Santarém (1992-2002).
Foi deputado à Assembleia da República (VIII Legislatura), membro do ConselhoGeral da Comissão Nacional da UNESCO, presidente da Assembleia Distrital de Santarém e membro do Conselho Consultivo do IPPAR.
A criação do Dia Nacional dos Centros Históricos Portugueses, em 28 de Março de 1993, ficou a dever-se a uma proposta da sua autoria.
Foi condecorado pelo Presidente da República, Jorge Sampaio, em 1997, com a comenda da Ordem do InfanteD. Henrique e em 2006, o grau de Grande Oficial da Ordem do Mérito, enquanto que o Governo lhe outorgou, em Fevereirode 2005, a Medalha de Mérito Cultural da República Portuguesa.
Mercê dos trabalhos realizados em prol da valorização do património cultural no Brasil, o presidente Fernando Henrique Cardoso condecorou-o, em 2002, com a Ordem de Rio Branco.