A questão que se impõe: estávamos à espera do quê?
Por nós,
refiro-me à minha geração que já foi considerada rasca, por outros à rasca e
que tem hoje 40, 50 anos, pelo 25 de abril andávamos pelos 10, 20 anos, nossos pais viveram um país de censura mental e moral, uma
ditadura de costumes que até a roupa que se vestia, o bigode, as patilhas, o
casamento, eram motivo de censura. Um país paroquial, no qual o padre
representava e transmitia a opinião central, tantas vezes coadjuvado pelo
professor ou pelo médico. Um país em que as mulheres vestiam um eterno luto
negro e os homens descobriam a cabeça, tirando o boné ou o chapéu aos
senhorecos da terra. Um país descalço, de fundilhos nas calças e de sorrisos de
criança precocemente cariados. Um país em que não se "podia voar alto
porque tinha um teto demasiado baixo" ( Mário Cesariny de Vasconcellos).
Um país em que os artistas eram emigrantes.
Apresenta-se como "pai fundador da democracia" um
homem como Mário Soares, elege como primeiro Presidente da República, em
eleições livres, o general Ramalho Eanes. Conta no seu plantel de governantes
pessoas como Guterres, Sócrates, Balsemão, Durão Barroso, Cavaco Silva, Passos Coelho, Santana Lopes (é bom não esquecer que até o estroina do Santana chegou
a 1º ministro deste país)... outros, Armando Vara, Jorge Coelho, Dias Loureiro, Duarte Lima, Maria de Belém Roseiro, Maria de Lurdes Rodrigues, António Vitorino, Fernando Gomes, Cadilhe, Portas e outros ainda piores.
Um país que tem como pitonisas Marcelo Rebelo de Sousa, Vasco Pulido Valente e Pacheco Pereira.
Como novos "velhos do Restelo" Medina Carreira
diariamente e aos dias ímpares António Barreto.
Dos autarcas que temos democraticamente eleitos, nem vale a
pena e ainda temos o sr. Alberto João, na Madeira.
Um país que do "charme" lastimoso "dos Ballet Rose" passou à "pimbalhada pedófila", e hedionda, demasiado
triste para parecer verdade, da Casa Pia...
E a tudo fomos fechando os olhos, assobiando para o lado. a
tudo, calámos, nada dissemos...
Estávamos à espera do quê?
Depois de Zeca ter cantado "será o apocalipse ou a
torneira a pingar no bidé?".
Nós que inventámos o desenrascanso e a vigarice e espalhámos
estas nobres artes por todo o mundo, "globalizando avant-la-lettre".
Tudo consentimos...
Esperávamos o quê?
Uma nova revelação e respetivo milagre em Fátima? O Benfica
campeão? Um tachito que nos desenrolasse a vida e uma cunha para enfiar o rapaz
ou rapariga, lá de casa, na função pública, num banco, numa boa empresa...
Esperámos feitos nêsperas do Mário-Henrique Leiria* e agora
veio uma velha (Angela Merkl, a título meramente simbólico) e, zás, comeu-nos.
Mas, estávamos à espera de quê?
Jaime Crespo