É um verdadeiro império clandestino que floresce à sombra do sofrimento
humano, este das rotas migratórias que hoje se multiplicam por diferentes
geografias. Qualquer viagem nunca custa menos de mil euros, o que é imenso para
gente que procura outra sorte para uma vida depauperada. Todavia, que ninguém
pense que o tráfico de migrantes é um negócio improvisado. Nada disso. Os novos
contrabandistas anunciam as suas rotas em milhares de contas que se multiplicam
nas redes sociais, prometendo novos e promissores mundos; compram barcos à
China e à Turquia para contornarem o controlo policial; contratam intérpretes e
intermediários para atraírem pessoas para viagens que prometem aquilo que sabem
ser impossível: um passaporte seguro para a liberdade.
Nada do que se sonha se concretiza. As travessias são uma espécie de
ida ao inferno: fome, cansaço, pressão psicológica, agressões físicas. Àqueles
que chegam a terra firme, espera-os outros calvários.
Devido à política restritiva de Trump no que diz respeito à imigração,
promovem-se agora no Panamá rotas de regresso dos Estados Unidos para a América
do Sul. Trata-se de uma inversão daquilo que se fazia até há poucos meses, mas,
mesmo assim, as viagens continuam a enriquecer as máfias. Segundo dados da
Comissão Europeia, o tráfico de migrantes movimenta seis mil milhões de euros
por ano – mais do que o PIB de muitos países.
Como se interrompe tudo isto? Numa reportagem publicada no “Courrier
International”, cita-se aquilo que um refugiado iraniano escreveu na sua conta
numa rede social: “Consideras os traficantes más pessoas? Eu também considero.
A viagem é longa e perigosa, mas achas mesmo que podemos ir à embaixada
britânica de Teerão pedir um visto?” A pergunta é dura. Não justificando as
redes criminosas que fomentam rotas perigosas, esta declaração desfaz discursos
que ensaiam alternativas inviáveis para quem foge da guerra, da repressão ou da
miséria. Talvez o verdadeiro inferno não esteja na viagem, mas naquilo que acontece
antes de embarcar. É nessa realidade que o Mundo deve concentrar-se para atacar
o problema sem hipocrisias.
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Felisbela Lopes – Jornal de Notícias - 23 maio,
2025