Recordemos que, há seis anos, valia uns escassos 68 mil votos (1,3%) e
que o único deputado era André Ventura. Hoje são um milhão e quatrocentos mil
os que votam num caudilho que afirma na televisão, com ar compungido, que corre
o risco de ser assassinado por ciganos e que, quando sofreu o célebre refluxo
esofágico, julgava ter sido envenenado. São tantos quantos os que confiaram o
seu voto ao PS, um dos partidos fundadores da nossa democracia liberal, o de
Mário Soares, de Jorge Sampaio ou António Guterres.
A explicação não reside apenas no crescimento do Chega. O novo mantra
do comentário político televisivo reduz o que aconteceu à inevitabilidade, ou
seja, repetiu-se por aqui um fenómeno europeu. Como se os povos fossem todos
iguais e como se os partidos de extrema-direita fossem o primeiro ou segundo
maior partido por toda a Europa. É falso. O sistema partidário alterou-se
também porque o PS teve o seu pior resultado em quase quatro décadas. Esteve
oito anos consecutivos no poder, e, na parte final, com maioria absoluta.
Se corre o sério risco de se tornar irrelevante (por optar por uma
Oposição inconsequente, ou por se transformar em mera muleta do PSD), foram os
seus dirigentes que o trouxeram até ao abismo. Todos eles, incluindo José Luís
Carneiro, vencedor antecipado das eleições internas, por falta de comparência
dos restantes génios do PS. Todas as principais figuras socialistas forjaram os
seus percursos políticos durante a última década. Têm tanta responsabilidade na
derrocada do seu partido quanto Pedro Nuno Santos. Mesmo que nenhum deles tenha
alguma vez decidido uma indemnização milionária por WhatsApp.
Rafael Barbosa - 29 maio, 2025