Não há motivos para surpresas no retrato que o grupo de peritos do Conselho da Europa traça do combate à violência doméstica e sexual em Portugal. A visão “patriarcal” atribuída aos magistrados e a crítica às “sanções brandas e desproporcionadas” são espelho de um problema cultural profundo. As desigualdades de género continuam a ser menorizadas e remetidas para a categoria de “tema de mulheres”, como se não fossem de todos (sendo neste caso o plural propositadamente masculino) as responsabilidades e as consequências do desrespeito por direitos básicos.
Se o debate sobre as desigualdades é difícil, mais
tímida ainda tem sido a abordagem aos direitos dos menores afetados. Sabe-se
que, quando há violência entre adultos, uma elevada percentagem de crianças acaba
por sofrer maus-tratos. Mesmo que não sejam vítimas diretas, sofrem danos
traumáticos e carregam consigo fatores de risco para a replicação de dinâmicas
relacionais disfuncionais no futuro. O círculo vicioso da violência é
transmitido entre gerações.
As sucessivas mudanças legislativas, a criação de
equipas multidisciplinares, os mecanismos de suporte que ajudam a vítima a
libertar-se do agressor, todas as ações políticas e de organizações não
governamentais são essenciais para quebrar esse círculo. Mas a mudança mais
difícil é a cultural. Sobretudo porque esse não é um trajeto linear, mas um
percurso sinuoso que tem tanto de conquistas como de recuos e hesitações.
Nenhuma visão obscurantista pode defender que o amor se alimente de violência e
de vínculos artificiais. Onde não há proteção nem segurança, não há família.
Este é o princípio básico sobre o qual temos, tribunais incluídos, de começar a
estar de acordo.
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Inês Cardoso - 28 maio, 2025