28.5.25

OPINIÃO: Coisas de mulheres


Não há motivos para surpresas no retrato que o grupo de peritos do Conselho da Europa traça do combate à violência doméstica e sexual em Portugal. A visão “patriarcal” atribuída aos magistrados e a crítica às “sanções brandas e desproporcionadas” são espelho de um problema cultural profundo. As desigualdades de género continuam a ser menorizadas e remetidas para a categoria de “tema de mulheres”, como se não fossem de todos (sendo neste caso o plural propositadamente masculino) as responsabilidades e as consequências do desrespeito por direitos básicos.

Se o debate sobre as desigualdades é difícil, mais tímida ainda tem sido a abordagem aos direitos dos menores afetados. Sabe-se que, quando há violência entre adultos, uma elevada percentagem de crianças acaba por sofrer maus-tratos. Mesmo que não sejam vítimas diretas, sofrem danos traumáticos e carregam consigo fatores de risco para a replicação de dinâmicas relacionais disfuncionais no futuro. O círculo vicioso da violência é transmitido entre gerações.

As sucessivas mudanças legislativas, a criação de equipas multidisciplinares, os mecanismos de suporte que ajudam a vítima a libertar-se do agressor, todas as ações políticas e de organizações não governamentais são essenciais para quebrar esse círculo. Mas a mudança mais difícil é a cultural. Sobretudo porque esse não é um trajeto linear, mas um percurso sinuoso que tem tanto de conquistas como de recuos e hesitações. Nenhuma visão obscurantista pode defender que o amor se alimente de violência e de vínculos artificiais. Onde não há proteção nem segurança, não há família. Este é o princípio básico sobre o qual temos, tribunais incluídos, de começar a estar de acordo. 

·         Inês Cardoso - 28 maio, 2025