A sociedade civil tem de manter-se atenta ao
fenómeno do tráfico de droga. O Relatório Anual de Segurança Interna (RASI) de 2024
revela que, apesar da diminuição da criminalidade registada face a 2023, os
dados relativos ao tráfico de estupefacientes e respetivos precursores
continuam elevados, aproximando-se dos níveis verificados no período
pré-pandemia. Por inerência, o consumo de drogas — sejam as clássicas, como
haxixe, cocaína ou heroína, ou as sintéticas, como Ecstasy, canabinóides
sintéticos, catinonas sintéticas, nitazenos, entre muitos outros compostos — e
a crescente banalização de comportamentos de risco entre os jovens não podem
ser ignorados.
Algumas destas substâncias psicoativas encontram-se listadas nas tabelas da legislação de combate à droga, como é o caso do GHB — vulgarmente conhecido como "droga da violação" ou "Ecstasy líquido" —, uma substância associada a crimes de submissão química. Contudo, há muitas outras que escapam ao crivo legal, protegidas pelos princípios da tipicidade e da legalidade (só é crime o que estiver previamente tipificado como tal, ou seja, descrito nos anexos da legislação em vigor).
Se a tipificação legal é relativamente
simples no que respeita às drogas clássicas, o mesmo já não se verifica com as
substâncias sintéticas, criadas em laboratórios clandestinos, sendo que surgem
diariamente novas moléculas a nível mundial. Estas novas substâncias
psicoativas encontram “caminhos fáceis” em determinados contextos, como os
ambientes escolares ou noturnos. São frequentemente mais potentes, mais
imprevisíveis e estão associadas a atos de violência, abusos sexuais, perdas de
consciência e comportamentos impulsivos ou perigosos.
Ignorar esta realidade é contribuir para a
sua propagação. Nesse sentido, aplaudimos iniciativas como a conferência
promovida pelo Sistema de Segurança Interna (SSI), no passado dia 2 de abril,
dedicada ao tema das drogas sintéticas, na qual tivemos oportunidade de
participar.
Enquanto Observatório de Segurança Interna,
sublinhamos com firmeza: É necessário e urgente investir na formação e
informação — não apenas dentro dos espaços noturnos, mas desde cedo, em casa e
nas escolas. Falar abertamente sobre o que são estas drogas, os seus efeitos,
os riscos associados e as consequências dos comportamentos desviantes é
fundamental.
Adicionalmente, é urgente reforçar uma
cultura de cidadania ativa entre os jovens. Sair à noite deve ser sinónimo de
liberdade e de convívio saudável, nunca de ameaça ou insegurança. Atitudes de
respeito, proteção mútua e empatia devem ser incentivadas e valorizadas.
As instituições de ensino superior e as comunidades académicas têm um papel essencial na formação dos jovens em contexto universitário. O espírito de união e de corpo não é válido apenas enquanto se enverga um traje académico, é-o para a vida, dentro e fora da instituição académica.
As Forças de Segurança (FS) desempenham
igualmente um papel vital. A sua presença ativa, visível e coordenada nas zonas
de maior risco tem um forte efeito dissuasor. A prevenção é mais eficaz quando
nasce da confiança e da colaboração, e não apenas da reação. Nesse sentido,
realçamos o papel da PSP e da GNR, que desenvolvem vários programas de
proximidade à população, sendo certo que estas instituições têm também as suas
dificuldades, mas são compostas por elementos que todos os dias se esforçam por
colocar o máximo e o melhor de si a serviço de Portugal.
Não esquecemos o papel da Polícia Judiciária
e mais discretamente dos Serviços que compõem o Sistema de Informações da
República Portuguesa, a quem publicamente agradecemos e enaltecemos os esforços
e contributos para cada vez mais estarmos um passo à frente no ranking dos
países mais seguros do mundo.
Os espaços de diversão noturna, por seu lado,
têm também uma responsabilidade inalienável. A segurança dos seus clientes —
dentro e fora dos estabelecimentos — deve ser garantida através da formação
adequada das equipas, da presença de segurança profissional, da colaboração com
as FS e da promoção de campanhas de sensibilização que previnam o consumo e o
tráfico de droga nas imediações.
Esta reflexão surge na sequência da
apresentação do RASI de 2024 e de um conjunto de eventos que não podem deixar
ninguém indiferente. No entanto, o Observatório de Segurança Interna, tem a
obrigação de ser técnico e não emotivo. Sendo uma instituição ao serviço da
sociedade e das instituições que promovem a Segurança Interna, cabe-lhe o
racional técnico e frio dos números, técnico e teórico na apresentação de
possíveis soluções para a mitigação de problemas.
Objetivamente, o RASI de 2024 apresenta dados
preocupantes no que respeita, por exemplo, ao crime de violação, com um aumento
face a 2023 e com uma incidência crescente entre vítimas mais jovens, no
período de 2021 a 2024. Embora o relatório não estabeleça uma ligação direta
entre o uso de drogas e o aumento dos crimes de violação, à luz do conhecimento
técnico dos nossos analistas, não podemos deixar de colocar essa hipótese em
discussão.
O mesmo se aplica aos fenómenos da
criminalidade juvenil e grupal. Apesar de o relatório não estabelecer uma
relação direta entre estes fenómenos, há indícios de interseção. No caso da
criminalidade grupal — definida como a praticada por três ou mais suspeitos,
independentemente do tipo de crime, da organização do grupo e do nível de
participação —, destacam-se grupos compostos por elementos masculinos na faixa
etária entre os 19 e os 28 anos como particularmente preocupante.
Relativamente a crimes de violação e de abuso
de menores por agressores com menos de 18 anos, o RASI de 2024 faz referência a
este tipo de delinquência juvenil. Contudo, e atendendo à sensibilidade destes
dados, não é possível, com base exclusivamente no relatório, estabelecer uma
correlação direta entre o aumento da criminalidade juvenil e o crescimento
deste tipo de crime.
Este artigo foi elaborado pelo Presidente e
pela Vice-Presidente do OSI, os quais independentemente da sua formação ou
cargos, são docentes do ensino superior, naturais de Braga, unidos pela amizade
e pela promoção de Justiça, Igualdade e Equidade, sendo a Segurança Interna
reflexo destes valores.
· * Lara
Santos e Luís Fernandes - OSI -
Observatório de Segurança Interna
Jornal de Notícias - 18 abril, 2025