19.4.25

OPINIÃO: Segurança, Valores e Ação Coletiva

 

O homicídio ocorrido nas imediações do Bar Académico (BA), em Braga, traz à colação a necessidade de refletir sobre a Segurança Interna, os valores sociais e axiológicos.

A sociedade civil tem de manter-se atenta ao fenómeno do tráfico de droga. O Relatório Anual de Segurança Interna (RASI) de 2024 revela que, apesar da diminuição da criminalidade registada face a 2023, os dados relativos ao tráfico de estupefacientes e respetivos precursores continuam elevados, aproximando-se dos níveis verificados no período pré-pandemia. Por inerência, o consumo de drogas — sejam as clássicas, como haxixe, cocaína ou heroína, ou as sintéticas, como Ecstasy, canabinóides sintéticos, catinonas sintéticas, nitazenos, entre muitos outros compostos — e a crescente banalização de comportamentos de risco entre os jovens não podem ser ignorados.

Algumas destas substâncias psicoativas encontram-se listadas nas tabelas da legislação de combate à droga, como é o caso do GHB — vulgarmente conhecido como "droga da violação" ou "Ecstasy líquido" —, uma substância associada a crimes de submissão química. Contudo, há muitas outras que escapam ao crivo legal, protegidas pelos princípios da tipicidade e da legalidade (só é crime o que estiver previamente tipificado como tal, ou seja, descrito nos anexos da legislação em vigor).

Se a tipificação legal é relativamente simples no que respeita às drogas clássicas, o mesmo já não se verifica com as substâncias sintéticas, criadas em laboratórios clandestinos, sendo que surgem diariamente novas moléculas a nível mundial. Estas novas substâncias psicoativas encontram “caminhos fáceis” em determinados contextos, como os ambientes escolares ou noturnos. São frequentemente mais potentes, mais imprevisíveis e estão associadas a atos de violência, abusos sexuais, perdas de consciência e comportamentos impulsivos ou perigosos.

Ignorar esta realidade é contribuir para a sua propagação. Nesse sentido, aplaudimos iniciativas como a conferência promovida pelo Sistema de Segurança Interna (SSI), no passado dia 2 de abril, dedicada ao tema das drogas sintéticas, na qual tivemos oportunidade de participar.

Enquanto Observatório de Segurança Interna, sublinhamos com firmeza: É necessário e urgente investir na formação e informação — não apenas dentro dos espaços noturnos, mas desde cedo, em casa e nas escolas. Falar abertamente sobre o que são estas drogas, os seus efeitos, os riscos associados e as consequências dos comportamentos desviantes é fundamental.

Adicionalmente, é urgente reforçar uma cultura de cidadania ativa entre os jovens. Sair à noite deve ser sinónimo de liberdade e de convívio saudável, nunca de ameaça ou insegurança. Atitudes de respeito, proteção mútua e empatia devem ser incentivadas e valorizadas.

As instituições de ensino superior e as comunidades académicas têm um papel essencial na formação dos jovens em contexto universitário. O espírito de união e de corpo não é válido apenas enquanto se enverga um traje académico, é-o para a vida, dentro e fora da instituição académica.

As Forças de Segurança (FS) desempenham igualmente um papel vital. A sua presença ativa, visível e coordenada nas zonas de maior risco tem um forte efeito dissuasor. A prevenção é mais eficaz quando nasce da confiança e da colaboração, e não apenas da reação. Nesse sentido, realçamos o papel da PSP e da GNR, que desenvolvem vários programas de proximidade à população, sendo certo que estas instituições têm também as suas dificuldades, mas são compostas por elementos que todos os dias se esforçam por colocar o máximo e o melhor de si a serviço de Portugal.

Não esquecemos o papel da Polícia Judiciária e mais discretamente dos Serviços que compõem o Sistema de Informações da República Portuguesa, a quem publicamente agradecemos e enaltecemos os esforços e contributos para cada vez mais estarmos um passo à frente no ranking dos países mais seguros do mundo.

Os espaços de diversão noturna, por seu lado, têm também uma responsabilidade inalienável. A segurança dos seus clientes — dentro e fora dos estabelecimentos — deve ser garantida através da formação adequada das equipas, da presença de segurança profissional, da colaboração com as FS e da promoção de campanhas de sensibilização que previnam o consumo e o tráfico de droga nas imediações.

Esta reflexão surge na sequência da apresentação do RASI de 2024 e de um conjunto de eventos que não podem deixar ninguém indiferente. No entanto, o Observatório de Segurança Interna, tem a obrigação de ser técnico e não emotivo. Sendo uma instituição ao serviço da sociedade e das instituições que promovem a Segurança Interna, cabe-lhe o racional técnico e frio dos números, técnico e teórico na apresentação de possíveis soluções para a mitigação de problemas.

Objetivamente, o RASI de 2024 apresenta dados preocupantes no que respeita, por exemplo, ao crime de violação, com um aumento face a 2023 e com uma incidência crescente entre vítimas mais jovens, no período de 2021 a 2024. Embora o relatório não estabeleça uma ligação direta entre o uso de drogas e o aumento dos crimes de violação, à luz do conhecimento técnico dos nossos analistas, não podemos deixar de colocar essa hipótese em discussão.

O mesmo se aplica aos fenómenos da criminalidade juvenil e grupal. Apesar de o relatório não estabelecer uma relação direta entre estes fenómenos, há indícios de interseção. No caso da criminalidade grupal — definida como a praticada por três ou mais suspeitos, independentemente do tipo de crime, da organização do grupo e do nível de participação —, destacam-se grupos compostos por elementos masculinos na faixa etária entre os 19 e os 28 anos como particularmente preocupante.

Relativamente a crimes de violação e de abuso de menores por agressores com menos de 18 anos, o RASI de 2024 faz referência a este tipo de delinquência juvenil. Contudo, e atendendo à sensibilidade destes dados, não é possível, com base exclusivamente no relatório, estabelecer uma correlação direta entre o aumento da criminalidade juvenil e o crescimento deste tipo de crime.

Este artigo foi elaborado pelo Presidente e pela Vice-Presidente do OSI, os quais independentemente da sua formação ou cargos, são docentes do ensino superior, naturais de Braga, unidos pela amizade e pela promoção de Justiça, Igualdade e Equidade, sendo a Segurança Interna reflexo destes valores.

·       *  Lara Santos e Luís Fernandes  - OSI - Observatório de Segurança Interna

Jornal de Notícias - 18 abril, 2025