25.4.25

OPINIÃO: A derrota do Papa Francisco

Foi eleito Papa em março de 2013. A diplomacia do Vaticano já tinha na agenda a sua primeira viagem: Rio de Janeiro (Brasil), em julho desse ano, para as Jornadas Mundiais da Juventude. Francisco não quis esperar tanto tempo, nem ir para tão longe. Milhares de deserdados chegavam a Lampedusa, a pequena ilha italiana ao largo da costa africana. Outros tantos afogavam-se no anonimato, em barcos decrépitos, transformando o Mediterrâneo num imenso cemitério, perante a indiferença da Europa cristã. Queria mostrar ao que vinha. Faria eucaristias, presidiria a solenidades, ditaria encíclicas, distribuiria hóstias, mas queria também falar do sofrimento das periferias. “Quem, entre nós, chorou pela morte desses irmãos e irmãs, de todos aqueles que viajaram nos barcos, pelas jovens mães carregando os seus filhos, por esses homens que procuravam qualquer coisa que pudesse sustentar suas famílias? Somos uma sociedade que esqueceu a experiência do luto... A ilusão do insignificante, do provisório, leva-nos à indiferença em relação aos outros”, disse, em abril de 2013, em Lampedusa, num altar construído com os destroços de barcos naufragados, denunciando o que então batizou como a “globalização da indiferença.”

A partir de 2015, outra vez o Mediterrâneo nas notícuias, nova vaga de deserdados, uns fugindo da guerra na Síria, outros à boleia das misérias de sempre e do sonho de uma vida melhor. Francisco foi, em abril de 2016, para Lesbos (Grécia), a ilha que era simultaneamente porta de entrada e prisão. Foi de novo à procura dos que chegam da periferia. “Os migrantes, antes de serem números, são pessoas, são rostos, nomes, histórias. Infelizmente, alguns, incluindo muitas crianças, nem sequer conseguiram chegar à ilha: perderam a vida no mar, vítimas de uma viagem desumana e submetidos aos abusos de algozes infames.” Foi de novo confrontado com a necessidade de mobilizar os que vivem distraídos neste continente de abundância: “A Europa é a pátria dos direitos humanos e qualquer pessoa que pise solo europeu deve poder vivenciá-los.”

Não há como não sentir admiração pelo homem que nasceu como Jorge Bergoglio e morreu como Papa Francisco. Mas, para além da admiração, sobra também um travo de amargura. Não pela sua morte, uma vez que falamos de alguém que teve uma vida longa e produtiva. Antes porque, avaliando a Europa dos valores que hoje temos, Francisco foi derrotado. Em vez da solidariedade e humanismo que pregou, o que frutifica é o ódio, a xenofobia e o racismo. Sentimentos e propostas políticas que já não se escondem, como antes, antes se exibem com orgulho. Projetos de exclusão em que milhões de europeus, incluindo portugueses, votam sem hesitar. Em nome de uma Europa cristã, segundo os novos cruzados da extrema-direira. Sim, Francisco parte derrotado. O tempo dirá se a derrota é definitiva.

·        Rafael Barbosa – Jornal de Notícias - 24 abril, 2025