18.8.25

CENTENÁRIO: De Nisa para a moviola, o percurso singular de Baptista Rosa

 


Foi preciso vestir a farda de tenente para abrir a porta da carruagem e filmar a Rainha Isabel II num plano que nenhum protocolo previa. João Emílio Baptista Rosa tinha esse dom raro: o de chegar antes dos outros e captar o instante com arte, empenho e desassombro.

João Emílio Baptista Rosa nasceu em Nisa a 18 de Agosto de 1925. Filho de comerciantes, foi para Lisboa para estudar Direito e depois Letras, cursos que trocou por uma paixão maior: o cinema.

As conversas com amigos nas tertúlias lisboetas do Palladium e nos estúdios da Tóbis, a par das leituras e colaboração em jornais e revistas ligadas à arte cinematográfica, mais cimentaram o fascínio por uma arte que despontava em Portugal: o cinema.

Na qualidade de colaborador da Revista “Animatógrafo”, com direcção de António Lopes Ribeiro (1933/1941), Baptista Rosa escrevia as suas crónicas e críticas sobre o Cinema que se fazia naquela época.

Em 1941 estava como estagiário no filme “O Pai Tirano”, realizado por António Lopes Ribeiro, e, logo de seguida no filme “O Pátio das Cantigas”, realizado por Francisco Ribeiro (Ribeirinho).

Com a experiência adquirida rumou a Espanha (Madrid) no ano de 1946, tendo, então, trabalhado com o cineasta húngaro Ladislao Vajda, o qual foi durante a época de 40 e 50 um elemento fundamental do cinema espanhol, destacando-se, para o efeito, um filme que marcou a juventude Ibérica e da América Latina, “Marcelino, Pão e Vinho”.

Fundou e dirigiu a revista IMAGEM de 1954 a 1959, a qual se dedicava à divulgação da actividade cinematográfica.

A visita da Rainha Isabel II a Portugal em 1956 foi um marco fundamental do contributo de Baptista Rosa para a história do Cinema e Televisão no nosso país e que fica bem expresso no depoimento sobre este evento de Augusto Cabrita presente no Livro “50 Anos da RTP”, da autoria de Vasco Hogan Teves:

“Foram mobilizados para cobrir o acontecimento todos os ‘cameramen’ possíveis deste País” – relembrava Augusto Cabrita, acrescentando: “E eu, como só possuía máquinas fotográficas, tive que comprar à pressa uma reluzente e magnífica ‘Paillard-Reflex’. (...) O Baptista Rosa na sua farda de tenente do Exército, filmava, em grande plano, a chegada da Rainha junto ao Cais das Colunas. Eu (em ‘plongée’...), do cimo do Arco da Rua Augusta, fazia os planos de conjunto. O José Manuel Tudela, o Carlos Tudela, o Serras Fernandes, o Adriano Nazareth, o Vítor Manuel, o João Martins, o António Cunha Teles, o Walter Sampaio, o António Bernardo, o Artur Moura... e os outros membros da equipa espalhavam-se por sítios estratégicos da cidade até Queluz... Mas, após os planos de conjunto feitos do meu poleiro, ainda me lembrei de fazer um ‘extra’ (fora da planificação) que foi descer à pressa a escadaria e achar-me ao nível da rua a tempo de enquadrar Craveiro Lopes e Isabel II sob o Arco, e segui-los, numa correria doida, de máquina em punho, passando pelo Rossio, Restauradores, subir a Avenida e chegar ao Marquês, exausto como o corredor da Maratona...

Tirando o máximo partido da sua farda de oficial, Baptista Rosa infiltrou-se por quantos sítios foi possível para apanhar as melhores imagens. Quebrou alguns protocolos, mas, graças a isso, impressionou uns tantos metros de filme com imagens que ninguém mais conseguiu. Como, por exemplo, aquela do interior do coche, com os sorrisos de Isabel e Craveiro (e sabe-se como era difícil fazê-lo sorrir) em primeiríssimo plano, enquanto os seguranças, aturdidos , só se aperceberam do que se passara quando já nada podiam fazer. É que o Baptista Rosa fora demasiado rápido a abrir a porta da carruagem e a assestar a objectiva.”

No livro “Baptista Rosa”, uma edição de 1984 da Cinemateca Portuguesa, com a organização literária de José Matos-Cruz, pode ler-se na introdução: “Na galeria de autênticos profissionais do Cinema Nacional, Baptista Rosa ocupa uma posição atípica e singular. Pela sua multifacetada capacidade como técnico, pela viva experiência enquanto escritor e repórter, pelo carácter específico das Obras que assinou.

Dividido entre afazeres e apetências, distribuindo-se por áreas e motivações frequentemente insuspeitáveis, Baptista Rosa dedicou décadas – o melhor esforço aos Serviços Cartográficos do Exército e à Radiotelevisão Portuguesa.”

Um Amor Entre Cinema e Televisão

Na obra citada, Luís de Pina, então Director da Cinemateca, escrevia:

“Conheci Baptista Rosa durante a fase heróica da Radiotelevisão Portuguesa, aí pelo ano de 1958.

Sentado a uma moviola de 16mm, com os olhos cravados nas imagens e as mãos crispadas nos comandos da máquina, utilizava um método muito pouco ortodoxo mas ainda hoje seguido, pendurando os planos do filme no pescoço, à medida que a sequência ia sendo alinhavada.

Era aquele, na verdade, o seu elemento. Mais repórter do que escritor, mais à vontade na montagem do que na realização, a tendência habitual do seu espírito fadava-o para a curiosidade insaciável por todas as pessoas e por todas as coisas. Se escrever é pensar com os dedos, como dizia um grande Jornalista, Baptista Rosa servia-se dos olhos para nos revelar o grande espectáculo, o grande Cinema da vida. A câmara e a moviola eram as companheiras de todas as horas”.

Baptista Rosa trabalhou nos Serviços Cartográficos do Exército onde atingiu o posto de tenente- coronel. Ao longo da sua curta vida, foi Guionista, Realizador, Produtor, Actor, Operador de Câmara, Montador, Jornalista e Escritor.

Fundou diversas revistas de cinema e espectáculos, entre elas a Plateia, foi director do jornal “O Benfica” e após o 25 de Abril saneado da RTP.

Baptista Rosa não desanimou e em 1978, juntamente com Odette de Saint-Maurice, Afonso Botelho, Aquilino Mendes, Pinheiro de Azevedo (ex-Primeiro Ministro), Tomás Rosa (ex-Presidente da RTP), Maria Nunes Forte, entre muitos outros, está entre os fundadores da RTI –Radio Televisão Independente, num período em que ninguém falava de Televisão privada em Portugal, sendo esta acção denominada por “Um Projecto de T.V.”

A ideia da necessidade de criação do ANIM (Arquivo Nacional das Imagens em Movimento) nasceu no início dos anos 80, tendo Baptista Rosa participado no Grupo de Trabalho então constituído para o efeito.

“Controverso e versátil, fascinante e hábil, competente e incansável, Baptista Rosa permanece – acima de tudo – como uma figura pública de insuperável relevância entre nós, com prestígio e simpatia um pouco por todo o Mundo que veio a percorrer”. Baptista Bastos

Faleceu em Lisboa, aos 57 anos, a 6 de Outubro de 1982.

 Filmografia

Tyrone Power em Portugal (1948) - Realizador

A Morgadinha dos Canaviais (1949) - Assistente de Realização

Imagens de Niza (1949-35mm-P/B) - Realização

Sonhar É Fácil (1951) - Assistente de Realização

I Exposição de Arte dos Trabalhadores (1952-35mm-P/B) - Supervisão Geral

Moderna Escultura Portuguesa (1952) - Supervisão Geral

A I Grande Concentração Nacional de Filarmónicas e Bandas de Música Civis (1952) - Supervisão Geral

Parque Desportivo Salazar (1952) - Supervisão Geral

O Natal na Arte Portuguesa (1954-35mm-P/B) - Realização

Azulejos de Portugal (1958-35mm-cor) - Realização

Fundo de Fomento de Exportação (1959-35mm-cor) - Produção e Supervisão Geral (inacabado)

Como se Fabrica a Margarina Chefe (1961-16mm-P/B) - Produção e Supervisão Geral

A Paixão de Cristo na Pintura Antiga Portuguesa (1961-35mm-cor) - Realização, Planificação e

Montagem

Alfama à Noite (1962) - Produção e Realização

O Século (1963-35mm-P/B) - Produção e Supervisão (Inacabado)

Semana Santa em Óbidos (1963-16mm-P/B) - Realização e Planificação

O Forcado (1965-16mm-P/B) - Realização e Montagem

Instituto Nacional de Educação Física (1967-16mm-P/B) - Realização

O Romance do Luachimo – Lunda, Terra de Diamantes (1968-35mm-cor) - Produção, Realização e Montagem

A Arte dos Povos da Lunda (1969-35mm-cor) - Produção, Realização e Montagem

Cartografia, Arte e Técnica (1969-35mm-cor) - Realização

Cartografia, Arte e Ciência (1970-35mm-cor) - Realização

Hello Jim (1970) - Produção (Prémio Paz dos Reis)

Fundação Gulbenkian-Doze Anos de Actividade (1972-16mm-P/B) - Produção e Supervisão Geral

A Pintura de Vieira da Silva (1972-35mm-cor) - Produção e Realização (Inacabado)

Televisão

Visita da Rainha Isabel II a Portugal (1956)

Viagem do Presidente da República, general Craveiro Lopes aos Açores (1957)

Viagem do Presidente da República, general Craveiro ao Brasil (1957)

Morte e Funeral do Papa Pio XII (1958)

Eleição do Papa João XXIII (1958)

Cinema (1958)

Exposição Internacional de Bruxelas (1958)

Inauguração do Cristo Rei (Lisboa-1959)

Esta Semana Aconteceu (1959)

Desfile dos Espectáculos (1959)

Visita do Ministro da Presidência à Índia (1960)

Visita do Ministro da Presidência a África (1960)

Festival de Cinema de Berlim (1960)

Exposição Henriquina (1960)

O Forcado (1965)

Cinema 65 (1965)

Óbidos e a Semana Santa (1966-Representante da RTP no Festival Internacional de Televisão de

Monte Carlo)

Cinema sem Estrelas (1967)

Horizonte (1967)

Notícias do Espectáculo

Zip-Zip (1969) - Guionista

Curto-Circuito (1970) - Guionista e Produtor

Viagem do Presidente da República ao Brasil (1972)

Taco-a-Taco

Este Século em que Vivemos

Volta a Portugal em Bicicleta (Várias)

Mensagens Natalícias de Militares em serviço na Guiné, Angola, Moçambique e Goa

Condecorações

Medalha de Mérito Militar (1969)

Grau de Oficial da Ordem do Infante D. Henrique (1972)

Medalha de Prata de Serviços Distintos (Fevereiro de 1974)

Medalha de Mérito D. João VI (Rio de Janeiro, 1980)

Como Júri

Prémio Itália de Rádio e Televisão (Florença-1970)

XXIV Festival Internacional de Cinema de Berlim (Julho de 1974)

Festival Internacional do Filme Publicitário de New York (1981)

Prémios

Em Nisa (1975) na festa de "Artilheiros" - 50 anos

Prémio Laranja – Área Televisão (1967-Diário Popular)

Prémio de Imprensa (1968-Horizonte, Programa de Televisão)

Denominação de Prémio

Prémio Baptista Rosa (1982-Atribuição feita pelo jornal brasileiro “ O Globo”

Livros publicados

Chamava-se Júlia e Fazia Flores (1984)

Cargos

Chefe da Divisão de Fotografia e Cinema dos Serviços Cartográficos do Exército

Chefe de Serviço de Produção Cinematográfica (1959)

Chefe de Serviço de Programas Especiais (1963)

Adjunto da Direcção-Geral de Programas da RTP (1969)

Director da Agência Portuguesa de Revistas

Chefe de Redacção da Revista “Filmagem”

Director e Editor da Revista “Imagem” (reaparecimento em 1950)

Director da Revista “Plateia”

Director do Semanário “O Benfica” (1969 a 1971)

Colaborador como Jornalista nos jornais “Diário Popular”, “O Século” e “Diário de Lisboa”, “Record”, assim como nas Revistas “Eva” e “Século Ilustrado”

Presidente da Casa do Pessoal da RTP

Correspondente da BBC, Visnews, Reuter e Révue du Cinéma

Direcção do Grémio Nacional da Imprensa Não-Diária (1973-1975)

Fontes

Livro “Baptista Rosa”, edição Cinemateca Portuguesa (Coordenação José de Matos-Cruz - 1984); História da Televisão em Portugal (1955/1979) de Vasco Hogan Teves (Editora TV Guia-1998); Nunes Forte (Medalha comemorativa e Livro “Dossier RTI”); Revista Grande Plano da CoopTV; Revista Plateia; Jornal “O Benfica”; Revista Rádio & Televisão, Blogue Santa Nostalgia e memória do biógrafo.

·       * Mário Mendes

 – Texto adaptado do que foi publicado no “Alentejo Ilustrado – Agosto 2025