Todos
sabemos que a dificuldade de acesso à habitação é uma das principais
preocupações dos portugueses, no entanto, as vendas de casas atingem níveis que
não se viam há muito tempo. Estão a ser vendidas mais casas numa altura em que
a classe média vive na ansiedade por não as poder comprar. É o chamado paradoxo
de que falou o presidente da Caixa Geral de Depósitos. Esta aparente
contradição realça a situação complicada que o mercado imobiliário enfrenta,
para a qual o Governo parece não ter resposta. Há então que questionar que
tendências perversas se escondem por detrás dos bons números de negócios, fazendo
com que grande parte da população se sinta excluída do mercado imobiliário. Até
ao primeiro trimestre, o valor de vendas totalizou 9,6 mil milhões de euros, o
que significou um aumento de 42,9% face ao mesmo trimestre de 2024. Com números
semelhantes à bolha imobiliária, o que está diferente? Ao contrário desses anos
dourados, em que milhares de casas eram construídas todos os anos, atualmente
grande parte das vendas são em segunda mão, dada a escassez de novas
construções. Aqui reside o principal problema: sem um aumento do stock
imobiliário, o mercado gira em círculos e os preços continuam a subir. A
habitação a custos controlados, fator que poderia aliviar as pressões sobre os
preços, é insignificante. Perante a inação, as distorções do mercado imobiliário,
típicas das grandes cidades, começam agora a espalhar-se por todo o Portugal.
Quem tem dinheiro prefere comprar casa como investimento do que colocá-lo nos
bancos a juros miseráveis, sendo mais um fator de pressão sobre o preço. E
nesta "pescadinha de rabo na boca", vamos chegar a um ponto de rutura
geracional dolorosa. Lembrem as minhas palavras. Rutura dolorosa.
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António
José Gouveia – Jornal de Notícias - 25 de agosto, 2025