15.4.25

OPINIÃO: A internacional dos censores

Um estranho eixo está a ganhar forma. Não é o do «Mal», que reuniria os «inimigos» do Ocidente. Nem um outro, que iria de Donald Trump a Vladimir Putin. É uma aliança mais ampla, tão concorrida quanto desconhecida: a internacional dos censores, onde se encontram lado a lado autocratas, democratas e burocratas.

Trump, que no fim do primeiro mandado foi amordaçado pelas plataformas digitais, prometeu restabelecer a liberdade de expressão nos Estados Unidos. Galvanizou os seus apoiantes, cujas opiniões, frequentemente descomedidas, se viam acossadas nas universidades progressistas e nas redes sociais. Passados seis dias da sua segunda investidura, Trump proibiu a US Air Force de ensinar aos recrutas a história dos aviadores negros da Segunda Guerra Mundial. Três dias depois, enquanto certas palavras desapareciam dos sítios Internet das administrações (diversidade, exclusão, género, socioeconómico, sub-representado...), um decreto visa os estudantes estrangeiros que mostram apoio aos palestinianos, o qual se vê equiparado a um «apoio à jihad». «Nós vamos encontrar-vos e expulsar-vos», ameaça a Casa Branca. Desde então, a polícia deteve um estudante da Universidade Columbia, Mahmoud Khalil.

Colocar mordaças nas pessoas tornou-se também aceitável na Europa. Em França, duzentos eminentes representantes da burguesia liberal, entre os quais um antigo presidente da República, dois antigos primeiros-ministros e um punhado de autarcas e parlamentares de direita ou do Partido Socialista apelam à «proteção dos judeus pela integração na lei do antissionismo como nova forma de antissemitismo» (Le Monde, 22 de março de 2025). Em suma, transformar uma opinião, defendida tanto por militantes de esquerda como por judeus ultraortodoxos, em delito penal.

A guerra da Ucrânia, reformulada como conflito de civilizações entre Bruxelas e Moscovo, também justifica a censura. Desde 2022 que a União Europeia proscreveu os canais russos RT e Sputnik para garantir o «respeito pelos direitos e liberdades fundamentais». A decisão foi saudada por Emmanuel Macron, que por isso não se melindrou quando, em maio de 2024, o Parlamento israelita proíbe a Al-Jazira, canal televisivo do Qatar. Na Roménia, um candidato considerado demasiado favorável ao Kremlin viu o seu significativo avanço na primeira volta das eleições presidenciais ser anulado pelo Tribunal Constitucional, que o impediu de se recandidatar. Por que motivo? Por pretensas ingerências russas nas redes sociais. «O nosso espaço informacional não é senão o campo de batalha geopolítica em que estamos a perder a guerra», explicava Kaja Kallas, chefe da diplomacia europeia, no passado dia 19 de março, antes de comparar a difusão de notícias falsas à violação da integridade territorial.

A criminalização dos adversários políticos, marca distintiva dos regimes autoritários, vai-se apoderando dos Estados democráticos. Na Alemanha, uma lei entrada em vigor a 1 de janeiro de 2018 para controlar as redes veio estabelecer, segundo a associação Human Rights Watch, «um precedente perigoso para outros governos desejosos de restringir a liberdade de expressão obrigando empresas a estabelecer uma polícia da palavra ajuramentada pelo Estado». De imediato, três democracias irrepreensíveis — Filipinas, Singapura e Rússia — erigiram o texto em exemplo (1). Ditadores desconfiados e liberais esclarecidos, fanáticos religiosos ou militantes indignados, todos dançam a mesma música ao ritmo das «tesouras da censura», levados por esta «notória propensão para atirar para longe de si tudo o que coloque o mais pequeno inconveniente, sem avaliar se tal precipitado abandono não conduz a um inconveniente mais duradouro» (2). Porque a vitória de uns conduz à vingança dos outros. E o fim dos combates tem uma única garantia: a nossa perda de liberdade, de todos nós.

·     * Benoît Bréville in Le Monde diplomatique (edição portuguesa) – Abril 2025

NOTAS

(1) «Germany: Flawed social media law», Human Rights Watch, 14 de fevereiro de 2018, www.hrw.org

(2) Benjamin Constant, De la liberté des brochures, des pamphlets et des journaux considérés sous le rapport de l’intérêt du gouvernement, Paris, 1814.