A poesia popular de Ti António Branco
- Um hino à natureza, ao campo e à Primavera
Já por aqui passaram, há tempos, as rimas do ti António Branco, um poeta popular, nascido, criado e falecido em Montalvão, a freguesia raiana, mais a norte de todo o Alentejo.
Do trabalho nos campos de Montalvão e Salavessa, onde se
avista a Beira e a Espanha, arrancou o ti António Branco, as estevas para
alimentar o forno, seu principal ganha-pão, mas também a experiência de um
“diálogo” permanente com a mãe Natureza, que ele registava na memória e
recitava à noite, em versos de “quarenta pontos” (décimas), nas tabernas, entre
um e outro copo do tinto, que “premiava” as cantigas ao desafio.
Foram muitas, um autêntico alfobre de poesia popular, as
décimas que o ti António Branco, trabalhador rural, forneiro, analfabeto,
montalvanense de “antes quebrar que torcer”, deixou por aí, dispersas, algumas
registadas na memória dos mais velhos, poucas, muito poucas, passadas para o
papel.
Entre estas, aquelas que não podiam ser ditas, publicamente,
antes do 25 de Abril.
Décimas que criticavam a guerra,
o aparato militar, a pobreza e a miséria, a repressão, e que constituíam
autênticas flechas lançadas aos poderes autoritários, locais e regionais, de
então.
Ficou célebre o mote de uma dessas décimas que criticava a riqueza e sumptuosidade da sede do concelho (Nisa) em detrimento da melhoria das condições de vida das freguesias, como Montalvão, e que dizia assim:
Adeus Nisa, adeus riqueza
Tens coragem e não és mole
P´ra tu teres tanta grandeza
Está Montalvão sem pitról *
Criticava os poderes, sempre que se sentia injustiçado, como
cidadão, ou como munícipe, numa atitude de protesto e rebeldia em que privilegiava
a defesa da sua comunidade, em desfavor do seu interesse individual.
Do acervo poético que reunimos de António Branco, deixamos,
aqui, os versos que constituem, simultaneamente, um canto à Primavera e um hino
à Natureza.
* Petróleo
A Música de Montalvão
A
Música de Montalvão
Aprendeu
no Hospital
Com
seis meses de instrução
Foi
tocar num arraial
A da Póvoa,
opiniosa
Muito mais do que
se pensa
Não se curou de
doença
Vai morrer
tuberculosa
Moléstia contagiosa
Desta vez não escaparão
Até excomungados
estão
Pelo padre da
freguesia
Toca em qualquer
romaria
A Música de
Montalvão.
Para que diriam
tanta vez
Que a de Montalvão
não ia
Aprendendo eles num
dia
Mais do que os da
Póvoa num mês
Será inveja? Talvez
Vontade de dizer
mal
Não é um, é tudo
igual
Estão postos
naquele vêzo
Montalvão não tem
desprezo
De aprender num
Hospital.
Aqui nestes
arredores
Para a música são
uns valentes
São bastante
inteligentes
Não há mesmo outros
melhores
À música de
Badajores *
Dou-lhe quase
comparação
Já ganham à da
Sertã
E a outras que eu
ainda não disse
Prestam um bom
serviço
Com seis meses de
instrução.
Montalvão é
generoso
É tanto, que assim
se prova
Já tem uma música
nova
Ensaiada por um
Raposo
Com os alunos está
gostoso
É a base principal
Todo o povo em
geral
Tem grande
satisfação
Com muito pouca
lição
Foi tocar num arraial.
* António Branco
* Badajoz