7.4.25

NISA: Conheça os poetas do concelho (XXII) - António Branco

 


A poesia popular de Ti António Branco

- Um hino à natureza, ao campo e à Primavera

Já por aqui passaram, há tempos, as rimas do ti António Branco, um poeta popular, nascido, criado e falecido em Montalvão, a freguesia raiana, mais a norte de todo o Alentejo.

Do trabalho nos campos de Montalvão e Salavessa, onde se avista a Beira e a Espanha, arrancou o ti António Branco, as estevas para alimentar o forno, seu principal ganha-pão, mas também a experiência de um “diálogo” permanente com a mãe Natureza, que ele registava na memória e recitava à noite, em versos de “quarenta pontos” (décimas), nas tabernas, entre um e outro copo do tinto, que “premiava” as cantigas ao desafio.

Foram muitas, um autêntico alfobre de poesia popular, as décimas que o ti António Branco, trabalhador rural, forneiro, analfabeto, montalvanense de “antes quebrar que torcer”, deixou por aí, dispersas, algumas registadas na memória dos mais velhos, poucas, muito poucas, passadas para o papel.

Entre estas, aquelas que não podiam ser ditas, publicamente, antes do 25 de Abril.

Décimas que criticavam a guerra, o aparato militar, a pobreza e a miséria, a repressão, e que constituíam autênticas flechas lançadas aos poderes autoritários, locais e regionais, de então.

Ficou célebre o mote de uma dessas décimas que criticava a riqueza e sumptuosidade da sede do concelho (Nisa) em detrimento da melhoria das condições de vida das freguesias, como Montalvão, e que dizia assim:

Adeus Nisa, adeus riqueza

Tens coragem e não és mole

P´ra tu teres tanta grandeza

Está Montalvão sem pitról *

 A escola do ti António Branco, foi o campo, o forno, a vida árdua das gentes da raia. Não teve tempo, nem posses para frequentar a escola. Os braços eram poucos para garantir a subsistência. De resto, a dureza da vida e dos elementos, fizeram dele um homem culto, na sua ruralidade, atento, curioso, com uma consciência cívica, social e política, de grande criatividade e acutilância, tal como nos revela a sua poesia. Tinha as palavras no “fio da navalha”, quando se tratava de distinguir o rico do pobre, a razão da injustiça, as contradições e antagonismos de uma sociedade (a do seu tempo) onde os homens não nasceram livres e iguais, em direitos e deveres.

Criticava os poderes, sempre que se sentia injustiçado, como cidadão, ou como munícipe, numa atitude de protesto e rebeldia em que privilegiava a defesa da sua comunidade, em desfavor do seu interesse individual.

Do acervo poético que reunimos de António Branco, deixamos, aqui, os versos que constituem, simultaneamente, um canto à Primavera e um hino à Natureza.

* Petróleo

A Música de Montalvão 

A Música de Montalvão

Aprendeu no Hospital

Com seis meses de instrução

Foi tocar num arraial

 

A da Póvoa, opiniosa

Muito mais do que se pensa

Não se curou de doença

Vai morrer tuberculosa

Moléstia contagiosa

Desta vez não escaparão

Até excomungados estão

Pelo padre da freguesia

Toca em qualquer romaria

A Música de Montalvão.

 

Para que diriam tanta vez

Que a de Montalvão não ia

Aprendendo eles num dia

Mais do que os da Póvoa num mês

Será inveja? Talvez

Vontade de dizer mal

Não é um, é tudo igual

Estão postos naquele vêzo

Montalvão não tem desprezo

De aprender num Hospital.

 

Aqui nestes arredores

Para a música são uns valentes

São bastante inteligentes

Não há mesmo outros melhores

À música de Badajores *

Dou-lhe quase comparação

Já ganham à da Sertã

E a outras que eu ainda não disse

Prestam um bom serviço

Com seis meses de instrução.

 

Montalvão é generoso

É tanto, que assim se prova

Já tem uma música nova

Ensaiada por um Raposo

Com os alunos está gostoso

É a base principal

Todo o povo em geral

Tem grande satisfação

Com muito pouca lição

Foi tocar num arraial.

* António Branco

* Badajoz