1.7.24

OPINIÃO: A democracia não é um jogo

As imagens de um Emmanuel Macron isolado, perdido no labirinto em que lançou a França ao dissolver o Parlamento na noite das eleições europeias, têm dominado o espaço mediático. A revista “The Economist” lançou na capa uma bandeira tricolor em que o branco central desapareceu, substituído por nuvens: o centro está condenado a cair. A aproximação às urnas, nesta primeira ronda das legislativas, agigantou a incompreensão pela arrogância do presidente francês, na sua incapacidade de lidar com a ruína do seu próprio espaço político.
Nas últimas semanas multiplicaram-se as análises às causas da atração dos jovens franceses pela extrema-direita. O desempenho de Jordan Bardella, jovem líder da União Nacional (RN), no TikTok ajuda a explicar o fenómeno, mas é no cruzamento entre o difícil acesso à habitação, a imigração e a criminalidade que se encontra o principal detonador. Pouco importa que muitos dados objetivos desmontem os fantasmas em torno dos estrangeiros. A xenofobia tornou-se cada vez mais clara e assumida em posições públicas, tanto em ações de campanha como em vídeos e declarações de cidadãos anónimos.
Ainda que obrigados por razões profissionais e éticas à neutralidade, muitos jornais assumiram o posicionamento de barreira à extrema-direita. É fácil de explicar porquê: olhando para trás, para as votações antissociais, antiecológicas e antifeministas da União Nacional, e perspetivando o que possa ser uma França dominada pela intolerância e pelo clima de guerra civil, o momento é de mobilização cívica. Defender a democracia é uma missão essencial da informação e do jornalismo.
O que se passa em França, hoje e no próximo domingo, não diz respeito apenas aos franceses. Inquieta todos os que acreditam em valores como a igualdade e a equidade, a tolerância, a livre circulação num mundo em que todos temos direito a ser inteiros. A tentação do experimentalismo e a atração por discursos demagógicos, que simplificam o mundo dividindo-o, são um perigo. A democracia não é um jogo. E veremos até onde nos leva o veneno dos extremos.

* Inês Cardoso - Jornal de Notícias -30 junho, 2024