12.7.24

OPINIÃO: Quando se sabe o que não se quer

Os franceses deram, no domingo, uma lição à Europa, apesar de terem decidido o que não querem, mas sem saberem o que querem. A forma como a extrema-direita foi derrotada nas eleições legislativas é um exemplo a seguir por outros países em que o ultranacionalismo, a xenofobia e o racismo vão alastrando pelos eleitores. No fundo, a França disse não à extrema-direita e recompensou a unidade dos partidos moderados com uma mobilização extraordinária e disciplinada.
A possibilidade real de a extrema-direita tomar o poder pela primeira vez desde a Segunda Guerra Mundial provocou uma impressionante reação dos franceses, com uma participação estimada em 67%, a mais elevada desde 1997. Mas este resultado diz-nos também que a nova Assembleia Nacional estará esfrangalhada por coligações que não se entendem e sem que nenhuma delas atinja a maioria de 289 lugares.
Assim, só há duas alternativas: o entendimento entre a esquerda vencedora e o centro-direita ou um bloqueio completo do país, tendo em conta que a Constituição impede a convocação de novas eleições durante um ano. Ou seja, se não houver acordos parlamentares, a França, a segunda maior economia e potência nuclear da União Europeia, ficaria numa situação de ingovernabilidade. Até porque os franceses, ao contrário do resto da Europa, não estão habituados a serem governados por acordos parlamentares. Desde 1958, a Constituição instituída pelo general De Gaulle concentra enormes poderes no presidente. Mas o resultado deste domingo significa uma mudança radical nas relações de poder. As chamadas forças republicanas deveriam chegar a acordo sobre um programa de governo e um primeiro-ministro de esquerda. O facto de a primeira força ser liderada por Jean-Luc Mélenchon poderá complicar as negociações, mas não deverá torná-las impossíveis. A vitória poderá transformar-se em derrota se os líderes não conseguirem chegar a um acordo.
* António José Gouveia - Jornal de Notícias - 09 julho, 2024 
** IMAGEM - O adiamento - Cartoon de Henrique Monteiro