22.7.24

OPINIÃO: O castigo aos meninos RSI

Nos Açores, as crianças cujos pais estão desempregados ou a auferir de apoios sociais vão ser discriminadas no acesso a creches gratuitas. A ideia foi do Chega, o que já nem surpreende. O que choca é que a iniciativa tenha sido aprovada pela maioria de Direita: além do partido de Ventura, a coligação de Governo (PSD, CDS-PP e PPM) liderada por José Manuel Bolieiro também votou favoravelmente (à exceção de dois deputados, um social-democrata e outro popular, que abandonaram o plenário antes da votação) e a IL absteve-se.
O argumentário do Chega não é novo: é preciso atacar os beneficiários do Rendimento Social de Inserção (RSI). E como? Castigando os filhos. “Os meninos do RSI ocupam as creches enquanto os pais vão para o café, para o supermercado, para onde quiserem”, acusou o deputado José Pacheco no debate inflamado na Assembleia Regional . Atente-se aos rótulos preconceituosos: os “meninos RSI” (como se a condição dos pais, seja ela qual for, deva ser fator de estigma) que “ocupam” as creches, como se de um crime se tratasse. Como se fossem menos do que os outros meninos. Como se a educação fosse um privilégio de alguns e não um direito de todos.
Propaganda à parte, o que este “projeto-piloto”, como Bolieiro lhe chamou, visa, de facto, é esconder a realidade do arquipélago: a falta de lugares na rede pública de creches - responsabilidade do Governo Regional. E é muito mais fácil limitar o acesso com medidas segregacionistas do que criar condições efetivas para que todas as crianças, independentemente das origens, tenham direito à educação.
Para entrar em vigor, a resolução que altera as regras de admissão nas creches públicas terá de ter força de lei. O BE já anunciou que vai enviar a matéria ao representante da República nos Açores e espera que haja um veto ou um pedido de fiscalização preventiva ao diploma. Ou Bolieiro pode recuar e tentar salvar a face num caso que o devia envergonhar.
* Helena Norte - Jornal de Notícias - 22 julho, 2024