Quem escreve nas redes sociais é muitas vezes movido por ímpetos. Já sabemos que por aí circulam perceções sem qualquer referencial racional, explosões de fúria, conteúdos falsos e desordens informativas de vária ordem. Quer isto dizer que falamos de lugares pouco recomendados, mas frequentados por muitas pessoas, algumas completamente impreparadas para lidar criticamente com caudais tão incontrolados. Em tempo de eleições, tudo isto ganha particular relevância.
Tendo como eixo temporal de referência o período entre 2011 e 2024, os investigadores franceses Yann Algan e Thomas Renault analisaram mensagens escritas de 160 mil utilizadores do X (ex-Twitter), o que implicou o manuseamento entre cinco mil e dez mil mensagens de cada pessoa, um processo apenas possível pelo recurso à inteligência artificial.
Deste estudo, sobressaiu a conclusão de que, na última década, as mensagens de cólera aumentaram 60 por cento, pertencendo grande parte dessas publicações a eleitorado que vota em partidos extremos, nomeadamente na União Nacional. Em França, os temas que suscitam mais esse sentimento são os impostos e a imigração, tópicos que quer Marine Le Pen quer Jordan Bardella têm explorado à exaustão. Não por acaso.
A revolta, a inquietude e o medo têm também grande expressão nos textos partilhados. Há, em vários domínios das redes sociais, uma França muito descontente com o poder político instalado. E isso, notam os investigadores, tem um reflexo direto nas intenções de voto. Sem muito espaço na agenda jornalística mais tradicional, os partidos extremistas souberam, nos últimos anos, potenciar os efeitos (nefastos) das redes sociais. E com isso cresceram muito.
No estudo referido, os investigadores também observaram que a confiança, a felicidade e o entusiasmo não estão muito presentes nas publicações, reunindo uma percentagem de textos inferior a dez por cento. Esses conteúdos pertencem sobretudo a eleitores moderados e não alcançam grande impacto das reações que suscitam.
É essa França turbulenta que vai novamente às urnas. A dúvida hoje não é saber se a União Nacional ganha, mas se alcançará maioria absoluta. Se isso acontecer, haverá uma enorme hecatombe no coração da Europa, que terá outro ponto central nas eleições presidenciais. Na verdade, o Mundo mudou muito, exigindo uma nova racionalidade que seja distante da espuma dos dias e, ao mesmo tempo, que agarre um certo pensamento que franjas expressivas da população elegeram como motor central do seu quotidiano.
* Felisbela Lopes - Professora catedrática da UMinho -05 julho, 2024