17.7.24

OPINIÃO: Cegueira e ressentimento

Uma breve declaração inicial de Biden, deu o mote à Cimeira da NATO. O Ocidente promete acelerar numa irrestrita corrida bélica, contra a Rússia e a China. As intervenções seguintes exaltaram, numa euforia febril, os biliões gastos e a gastar na “Defesa”.
Biden tropeçou nas palavras, quando quis sair do texto que lhe haviam dado. Há meses, ou anos, que uma indústria poderosa de “mentira organizada” (uso uma expressão de Hannah Arendt), ao serviço de quem manda nos EUA, ocultou do povo americano e do mundo que o presidente declinava rapidamente nas suas faculdades mentais, mantendo, contudo, intacta a primitiva pulsão de poder.
Nunca foi tão acertado, como no caso de Biden e dos seus colegas de Cimeira, recordar o sermão do padre António Viera, proferido na Lisboa de 1669, sobre a cegueira dos governantes: “Se o vedes, como o não remediais? E se o não remediais, como o vedes? Estais cegos.” (Obra Completa, ed. J.E. Franco e P. Calafate, To. II, Vol. IV, 224).
A cegueira do Ocidente, incluindo uma UE mergulhada no hábito da servidão, reflete a ignorância atrevida dos seus líderes, incapazes de esclarecer se sobra esperança no futuro, depois de tanto sacrificar no altar da guerra? Podemos fechar os olhos, mas o colapso ambiental e o vírus da desigualdade não se esquecem de nós. Para quê tantas armas, se apenas o arsenal nuclear de Moscovo seria capaz de destruir todas os países presentes na Cimeira?
Há uma raiz mais irracional dessa cegueira. O profundo ressentimento contra a Rússia, por esta ter atravessado o Rubicão do “mundo com regras”, impostas unilateralmente. Tudo partiu da ideia fútil de que Moscovo fora derrotada na Guerra Fria, quando, como ensina Clausewitz, um país só é realmente derrotado quando as suas Forças Armadas são destruídas, através de uma “decisão pelas armas” (Waffenentscheidung). Nada disso aconteceu em 1991, nem acontecerá no futuro. Quem provocasse uma guerra direta com a Rússia encomendaria o dia do juízo final.
A revista médica Lancet revelou que o número real de mortos em Gaza, é de 186.000 (7,9% da população total). Sinto tristeza por os órgãos de soberania portugueses seguirem o guião da guerra infinita na Ucrânia, enquanto encolhem os ombros perante o genocídio, assistido por Washington, em Gaza.
O PR irá defender, perante o próximo Conselho de Estado, o nosso apoio à imolação do povo ucraniano para reaver fronteiras tornadas quiméricas. O que está em causa, contudo, não é só a Ucrânia, mas salvar a nação portuguesa de ser empurrada para o vórtice da aniquilação. Frente ao maior perigo existencial da nossa história, o PR, a AR e o Governo persistem na clausura de uma cegueira imperdoável.
* Viriato Soromenho Marques - in Diário de Notícias, 13/07/2024