“Querem calar o Ministério Público”. “Basta de falsidades que visam descredibilizar o Ministério Público”. “Há uma campanha orquestrada contra o Ministério Público”. A primeira afirmação já tem uns meses, é de André Ventura. A segunda consta de um abaixo-assinado recente de magistrados do MP. A terceira é da líder desta orquestra afinada, Lucília Gago, procuradora-geral da República.
Qual a razão para tanto “espalhafato”? A 7 de novembro de 2023, a PGR emitiu um comunicado sobre a Operação Influencer que incluía um parágrafo politicamente mortal para o então primeiro-ministro. António Costa passava a estar sob suspeita numa investigação sobre corrupção. Foi rápido a reagir e demitiu-se.
Não foi a primeira vez que houve interferência do poder judicial no processo político, mas foi a primeira vez que o Ministério Público provocou a queda de um Governo. Não se trata de um juízo de valor, nem de insinuar conspirações, é apenas a constatação de um facto. E seria razão suficiente para abalar o regime. Mas, estamos em Portugal, é sempre possível que fique pior. E piorou.
Foi quando ficámos a saber que a tal investigação do MP era constituída por uma mão cheia de nada e outra de coisa nenhuma. É impossível dizer que houve golpe de Estado (para o provar seria necessária uma investigação do MP, com escutas e tudo). Mas é aceitável refletir sobre se o MP não terá sido pelo menos temerário e talvez até incompetente.
É aceitável para qualquer ramo de atividade, menos para este. De acordo com a mundividência dos cruzados, a Justiça não se questiona. Eles dizem-nos que é igual para todos, que ninguém está acima da lei, e isso chega. O MP é um poço de virtudes, povoado por pessoas infalíveis, que estão acima de qualquer suspeita. Questionar, duvidar, pedir esclarecimentos, apontar disfunções e abusos? Não se pode. É antipatriótico.
* Rafael Barbosa - Jornal de Notícias -10 julho, 2024