10.11.20

COISAS DA CORTE DAS AREIAS (1) - A Vereda da Sardinheira

Estrada Romana, Vereda da Sardinheira, Cumeada, Estrada Real, Carreira Velha, Estrada Mourisca são nomes concedidos a antiquíssimos caminhos que serpenteiam por todo o concelho de Nisa e de tal modo é assim que não há uma única das dez freguesias que não assista, no seu território, há passagem de pelo menos uma destas vias antigas.
Claro que há muitos outros caminhos, alguns deles a seu tempo serão tratados. Todos estes aqui mencionados, no seu viajar, em algum sítio da “Corte das Areias” se acompanham, se cruzam, se sobrepõem, se bifurcam, ao menos se avistam mutuamente. 

Vereda da Sardinheira
De onde provém? Onde nos conduz? Alguns historiadores defendem ter a sua origem na antiga capital da Lusitânia (Mérida) e dirigir-se para Escaroupim, no médio Tejo, sendo designada em território espanhol por La Calera, no concelho de Nisa por Vereda da Sardinheira e no troço final por Margem Franzira (1).
Se espiarmos um pouco adentro do concelho de Castelo de Vide, facilmente deparamos com o sítio exacto onde a Vereda da Sardinheira e a Estrada Romana da Ammaia se bifurcam, junto a uma bonita fonte de granito, à qual furtaram – lá, como cá – a concha, símbolo do apóstolo Tiago, em pedra incrustada no frontespício. Já bifurcadas seguem ambas as vias ao encontro da Ribeira de Nisa que ultrapassam, seguindo então ao encontro das nossas freguesias de Alpalhão e Espírito Santo, a primeira na ribeira do Figueiró, a segunda no ribeiro dos Pelómes (Patalou).
Deixemos esta via e procuremos a Vereda. Vamos recebê-la à chegada ao concelho, no Couto da Figueirinha, que já foi pertença do dr. Jaime Almeida e acompanhá-la no seu correr para Ocidente, não sem antes olharmos uma última vez a freguesia de S. João Baptista do concelho vizinho, por onde nos chega a Sardinheira, bem perto da foz do ribeiro da Mourela, que tem esta curiosidade de correr o máximo de 50 metros no concelho de Nisa, pois logo ali o dito e o Figueiró se tornam num só.
Um olhar atento e ei-lo, o Pontão da Sardinheira, pontão com pelo menos duas curiosidades, a saber: uma das lajes do tabuleiro, diz quem sabe, terá sido o esteio de uma anta aqui reaproveitado e que tem a particularidade de ter gravado numa das faces várias covinhas muito referenciadas pelos arqueólogos; a outra curiosidade é o facto de ser aqui, a jusante e bem pertinho do pontão (70 metros) que se encontra a ponte de pedra, de carretas, no velho caminho de Montalvão para Alpalhão.
Este caminho também aqui se bifurca, entrando ambos na povoação por sítios diferentes: um pela ermida do Santo António (2); o outro pela Fonte Velha; à ermida de S. Sebastião ou azinhaga do Ribeiro do Castelo, como refere António Pedro Vicente em “Manuscritos do Arquivo de Vincennes relativos a Portugal – 1803/1806”.
Daqui até à EN 18, entre Nisa e Alpalhão, vai esta “nossa” via percorrer cerca de 2 quilómetros acompanhada nos primeiros 500/600 metros pela “tundra” alpalhoense, à esquerda e pelo Figueiró no lado contrário, onde se localizam duas pontes de pedra espectaculares: a do caminho para Montalvão e ado “João Viegas” que segue para Nisa passando pelas Fontainhas e Fonte da Cal. 
Estes três pontões mais o do Ribeiro da Mourela, irmão no estilo, coabitam o mesmo sítio, daí que em uníssono clamam e venham exigindo dos poderes públicos um olhar atento e o carinho devido ao património histórico que também integram.
As azinhagas da Broa e dos Rombeiros vão ficando para trás, a Sardinheira vai-se afastando do Figueiró, olhando uma última vez a várzea onde antigamente se cultivava o milho e o feijão, um cartão de visita turístico visitado anualmente pelas tarambolas e cortiçóis, corvos, sisões e abetardas, espécies já desaparecidas ou raras por ali, nos tempos de agora.
Subindo, vai correr pelos Sarangonheiros e Assis, onde, para sul, se avistam três antas e um furdão, cruzar os caminhos que dos Monizes seguem para o Florêncio, de Nisa para Gáfete pela Seiceira e o de Nisa para a Fadagosa, pelo Tapadão e Curral das Massenas. Transposto este último é só descer a Coutadinha, transpor pequeno riacho e subir ao alto das Rasas.
Sendo certo que do Couto da Figueirinha, no Figueiró, ao planalto das Rasas o percurso da Sardinheira não oferece quaisquer dúvidas, já o mesmo não acontece deste sítio em diante. A tradição e a memória do povo conduzem a Vereda descendo pelo Couto do Zorro e entrar em Arez, seguindo pela Igreja da Misericórdia e pelo cemitério, para após poucas centenas de metros entroncar na estrada para Amieira seguindo com ela só a deixando para procurar o S. João da Charneca e daí fazer o rumo à Atalaia, no concelho do Gavião.
Mário Saa em “As grandes vias da Lusitânia”, simultaneamente, esclarece-nos e confunde-nos, aqui põe a Sardinheira a correr pelo local atrás mencinado para logo a seguir a conduzir das Rasas pelo Monte do Maxial, Pereiro, Pernada Queimada, Atalaia.
Fica-nos ao menos a freguesia de Atalaia como referência na passagem, quer por um lado quer pelo outro. A nós, pessoalmente, que pisámos o terreno, este último parece-nos o mais indicado, mas de modo algum rejeitamos a hipótese do primeiro, com uma maior aproximação ao Tejo no nosso concelho, além do mais há que admitir que por ali, provavelmente, a Vereda da Sardinheira receberia, seguindo juntas, a Estrada Mourisca de Cória para Santarém, como defende o nosso conterrâneo Insp. Carlos Tomás Cebola, estrada que correria pela Lomba da Barca, Senhora dos Remédios, em Montalvão, Carreira Velha, Vereda da Chamorra e Caminho dos Almocreves, em S. Matias, alcançando a Sardinheira por Arez ou Vila Flor.
Caso pretenda visitar o Figueiró e a Sardinheira no exacto local onde se cruzam só tem que seguir para Alpalhão e frente à Singranova, voltar à esquerda e seguir o caminho certo que o conduzirá até lá. Cuidado não se confunda, pois apesar de espaço público vai “andar” por dentro da nova exploração de pedra que ali se encontra.
Melhor seria que antes da Singranova, onde se vê uma placa de madeira indicando a Anta dos Sarangonheiros, seguisse pela Sardinheira que ali chega pela esquerda, mas por ali só a pé, de viatura só quando naquele curto espaço até por perto do pontão do João Viegas for despejada uma boa porção de restos de pedra da exploração ao lado, que por certo não seriam negados à Junta de Freguesia do Espírito Santo e ao seu presidente.
Até lá tenhamos fé que um dia, por certo, iremos ver aqueles 300/400 metros perfeitamente transitáveis, e a exemplo do que se vai fazendo em concelho vizinhos, não ficava mal, antes pelo contrário, junto à informação indicando a anta, pôr outra, rezando assim:
“Vereda da Sardinheira / Via da Antiga Lusitânia”
Por último e se nos permitem, uma confissão: fizemos estas duas sugestões, mas fizemo-las, sorrindo...
* João Francisco Lopes
Notas
 (1) – Mário Saa – “As grandes vias da Lusitânea” 
 (2) - Por informações recolhidas em Alpalhão, situava-se à entrada da rua de Santo António, frente à estrada antiga para Nisa e terá sido derruída na segunda década do século passado.

Legendas para as fotos 
1 – Pontão e Vereda da Sardinheira
2 – Estrada Romana na Senhora da Graça
3 – Ermida de S. João da Charneca (Amieira do Tejo)                      
NOTA EXPLICATIVA
João Francisco Lopes, o autor deste e de outros textos que sob o título "Coisas da Corte das Areias" iremos publicar, faleceu no domingo, dia 8, aos 84 anos de uma vida dedicada ao associativismo, à cultura e à defesa do património local. A preservação do património que, na sua perspectiva, passava pela descoberta, identificação e posterior classificação, não deixava de incluir o alerta ou denúncia de situações (e foram tantas nestas duas últimas décadas) que atentavam contra a existência esse legado histórico-cultural. São esses textos, a maioria coligidos no livros "Nisa - Coisas da Corte das Areias" que iremos dar a conhecer aos leitores /visitantes do blog, tal como o fizemos, aliás, no "Jornal de Nisa". Desta vez, em forma de evocação e homenagem a um nisense que em muito valorizou, defendeu e contribuiu para a preservação da cultura da terra e do concelho em que nasceu.