Diz o ditado: não deixes para amanhã o que podes fazer hoje. As situações de sufoco exigem que a palavra “podes” seja substituída por “deves”. Perante um sufoco, o fazer é agora, pois já devia ter sido ontem. As respostas têm de ser imediatas. E simultaneamente há que trabalhar alterações estruturais atacando as origens dos bloqueios, sob pena de os sufocos se repetirem indefinidamente.
O nosso primeiro-ministro (PM) apresenta-se como governante focado na execução, no “fazer”. É bom que assuma esse foco e não é mau o facto de ser um político experiente e ágil. Mas, será que dá a devida atenção ao pensamento e orientação estratégicos, tendo em conta o tempo em que estamos no plano internacional, europeu e nacional? O seu faro político tem estado orientado para as grandes causas públicas, para os principais problemas com que os portugueses e o país se debatem no presente contínuo, ou estará tolhido por excesso de taticismo e pelo não afrontamento de atores do centrão de interesses, nas áreas políticas sensíveis?
Hoje, os discursos e as práticas políticas da esmagadora maioria dos dirigentes da UE assentam num eurocentrismo que não se coaduna com a realidade. A UE está economicamente estagnada. Está a ser cumprido o objetivo do BCE de arrefecer a economia, e esta instituição não abdicou do aumento do desemprego como instrumento do “combate à inflação”, nem de atacar o Estado social. A economia da Alemanha - o “motor” da UE - está sujeita a um cerco que também bloqueia outras economias. As grandes faturas da guerra (que martiriza o povo ucraniano) ainda não estão apresentadas. De onde emana então o prestígio de António Costa na União Europeia, de que por vezes se fala? De ir entusiasticamente no barco, ou de remar contra a maré em defesa dos interesses do país?
Milhões de portugueses vivem reais situações de sufoco: i) quase metade das famílias não tem rendimentos para suportar os encargos fixos, apesar de já muito podados; ii) a esmagadora maioria dos jovens e muitos outros cidadãos não conseguem mesmo acesso a habitação digna; iii) começa um novo ano letivo com os jovens cheios de sonhos, mas nada sólido avançou que lhes permita pensar terem trabalho bem remunerado e poderem organizar família no seu país; iv) o baixíssimo nível de garantia de rendimentos coloca uma pessoa que viva só do RSI com um rendimento correspondente a 1/3 do que é necessário para sair da pobreza e pouco mais de 1/4 do salário mínimo nacional. Como sair daqui?
Em primeiro lugar, aumentando-se os salários, de longe a garantia mais segura para a formação do rendimento e para melhorar a distribuição da riqueza produzida. Há condições para o fazer, nos setores privado e público. Em segundo, garantir serviços públicos de qualidade para assegurar direitos fundamentais.
A solidariedade e a justiça social são responsabilidade do Estado, mas também de organizações privadas. O país tem muito a ganhar, por exemplo, se estas superarem o miserabilismo salarial. Além disso, as contas certas da economia financeirizada sufocam, geram mais injustiças e pobreza.
* Carvalho da Silva - Jornal de Notícias - 09 setembro 2023