O futuro da Europa encontra-se numa encruzilhada, entre a humanidade e o pragmatismo mais frio. Devemos fazer um esforço para tentar compreender a rejeição de muitos povos do Sul, da bacia do Mediterrâneo, que se veem todos os dias confrontados com a chegada de migrantes. Na Grécia, em Itália , sobretudo na Sicília, o caudal de pessoas em fuga da guerra e da fome não cessa de aumentar. É um desafio para os governos desses países dar resposta ao problema sem perder a confiança daqueles que os elegeram.
Numa tentativa de mostrar à primeira-ministra italiana que Bruxelas não é indiferente ao problema, a presidente da Comissão Europeia foi a Lampedusa dizer que “a imigração irregular é um problema europeu” e por isso “precisa de uma resposta europeia”. Nada como frases redondas, vazias de sentido, para nada ser feito. Ou melhor, para manter a fórmula de sempre. A mais cínica, a mais desumana.
Von der Leyen não perdeu tempo para dar uma resposta à pressão dos governos do Sul. Estes países recebem migrantes e ficam com eles, sem quaisquer condições, em campos de refugiados ou, os que conseguem escapar, vagueando pelas ruas. Indiferente aos apelos humanistas do Papa Francisco - em Marselha encontrou-se com pessoas que cruzaram o Mediterrâneo e se encontram numa espécie de limbo à espera de dias melhores -, a presidente da Comissão Europeia optou por voltar a atirar dinheiro sobre o grave problema. Não para criar melhores condições de acolhimento, antes para os reter nos países de origem. Hipocritamente, diz, o objetivo é criar condições para que não sintam necessidade de partir.
Mais cínica, sem dúvida, não podia ser a intenção da presidente Von der Leyen. Como todos sabemos, e ela mais que ninguém deveria ter conhecimento, esses 900 milhões de euros de apoio correm o risco de ajudar, precisamente, quem deles não carece.
* Paula Ferreira - Jornal de Noticias -26 setembro, 2023