6.9.23

OPINIÃO: O direito à habitação

 
“Edifício histórico transformado em habitação”. É este o título de um jornal publicado este fim de semana. E é completamente verdadeiro. Mas seria igualmente verdadeiro se estivesse escrito: “Edifício histórico dado à especulação”. O imóvel em causa, da autoria do arquiteto Marques da Silva, inaugurado em 1925, foi durante anos sede da seguradora A Nacional. Vai dar lugar a 18 apartamentos. De luxo, como seria de esperar. Não virá, portanto, resolver o problema daqueles que procuram um espaço para iniciar uma vida independente, ou, simplesmente, desejam viver no centro da cidade, para estar perto de tudo, prescindir da viatura própria - fazer, enfim, o que os manuais de urbanismo defendem.
Bem pode António Costa criar 20 pacotes “mais habitação”, que não inverterá as regras do mercado. Os 18 apartamento de luxo, neste momento a ser construídos no prédio da Avenida dos Aliados, onde durante décadas funcionou a delegação do jornal “Diário de Notícias”, já estão vendidos ou em vias de o ser. Estes e os outros apartamentos de luxo, nascidos quase ao mesmo ritmo dos novos hotéis na Baixa da cidade, nada acrescentam à resposta necessária e urgente ao problema da habitação. São casas para especular e não para habitar.
O mercado a funcionar, pois então. Há casas a preços proibitivos, apesar disso, são de imediato vendidas. Os compradores não serão, seguramente, os portugueses dos mil euros por mês. Já não as compravam quando as taxas de juro apareciam a níveis praticamente negativos, muito menos agora com o valor a pagar aos bancos em alta. Por isso, resta ao primeiro-ministro António Costa seguir o conselho de Marcelo Rebelo de Sousa: “é preciso pôr de pé a construção do que depende do Estado e do poder local”. Sim, não tenhamos dúvidas, por muito que doa aos céticos do papel do Estado. Apenas a iniciativa pública poderá garantir o direito à habitação.
* Paula Ferreira - Jornal de Notícias- 05 setembro, 2023