"Em contexto de maioria absoluta, a perda de algum poder por parte da Presidência da República e do Parlamento é evidente. No entanto, as duas instituições só serão irrelevantes se assim o desejarem". Terminei desta forma uma crónica escrita a 7 de fevereiro de 2022.
No dia 30 de março, o Governo liderado por António Costa tomaria posse. Nunca imaginei que a relevância das duas instituições pudesse vir a ter o alcance atual. Marcelo Rebelo de Sousa parece ser mais atuante do que no tempo da geringonça. É verdade que tenderia sempre a sê-lo por não estar em causa, agora, uma recandidatura a Belém. Quanto à Assembleia da República, a sua relevância joga-se em dois tabuleiros: por um lado, na atividade política pura (coligações pontuais em votações e propostas, hiperatividade contestatária, motivação dada por sondagens, entre outros fatores) e, por outro, na fiscalização realizada pelos deputados.
Quanto ao primeiro tabuleiro da relevância parlamentar, temos de ter em conta o crescimento de popularidade do PSD (mais recente) e a atuação frenética quer do Chega quer de uma Iniciativa Liberal (IL) de caráter mais disruptivo e pró-ativo. No que diz respeito à vertente fiscalizadora, a comissão de inquérito à TAP é um excelente exemplo de como o palco parlamentar pode servir para desgastar o Governo, mesmo que este tenha maioria absoluta. O óbice, como já é evidente, são os tiros no próprio pé. A "novela" TAP demonstra bem essa autoflagelação.
Alexandra Leitão, ex-ministra de Costa, tem sublinhado as desvantagens das maiorias absolutas, mas está longe de ser a única. "Os governos minoritários têm incentivos maiores para um bom desempenho por comparação aos maioritários. Isto porque temem pela sua subsistência no cargo e são pressionados pelos partidos de oposição (...)", escreveram os politólogos Catherine Moury e Jorge M. Fernandes num estudo sobre Portugal publicado pela Universidade de Cambridge.
* Pedro Araújo in Jornal de Notícias - 2.5.2023