12.3.23

OPINIÃO: Não acontece só aos outros

Quando, durante os protestos dos coletes amarelos em França, foram destruídos 60 a 70% dos radares de controlo de velocidade, fiscalizações avulsas das autoridades comprovaram que os condutores passaram a acelerar muito mais do que o habitual. O exemplo acabou por comprovar que não há assim tantas diferenças culturais ao volante: quando um condutor sente que pode pisar o risco, acaba por fazê-lo. Tem de ser o sistema de prevenção e fiscalização a forçar a segurança.
Por isso mesmo não se entende que, após tantos programas simplex e milhões investidos na digitalização, continuemos a demorar na criação de um sistema de contraordenações que assegure rapidez e eficácia na notificação. Da mesma forma que já deveríamos ter aprendido com outros países como simplificar o enquadramento legislativo, impedindo tanta litigância e contestação.
Também parece incompreensível que se mantenham atrasos sistemáticos no reforço da rede de controlo de velocidade - porque, como sublinha o presidente da Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária em entrevista, os radares salvam vidas. Ou que haja tanta falta de transparência na informação prestada, seja sobre estatísticas de sinistralidade (o último relatório disponível é de outubro) ou sobre radares e respetivos dados de fiscalização. Poderíamos ainda falar em defeitos estruturais nas vias, défice de formação em idades precoces e tantos outros problemas identificados ao longo dos anos e nem por isso corrigidos.
Somos o quarto país da UE em que mais se morre na estrada. Os acidentes são a principal causa de morte abaixo dos 30 anos. As explicações para esta vergonha são multifatoriais e exigem respostas transversais. De vários ministérios, com empenho político. Precisamos de mudar mentalidades, claro, e em vez de fugir a radares e operações policiais aceitarmos que a fiscalização protege a vida. Mas não seremos capazes de travar este combate sem medidas políticas que forcem essa proteção. As mortes na estrada não são inevitáveis. E é estranho que o país se comporte como se fossem.
* Inês Cardoso in Jornal de Notícias - 5.3.2023