"A Transtejo comprou um navio completo e nove navios incompletos, sem poderem funcionar, porque não estavam dotados de baterias necessárias para o efeito. O mesmo seria, com as devidas adaptações, comprar um automóvel sem motor, uma moto sem rodas ou uma bicicleta sem pedais". O Tribunal de Contas (TC) foi destrutivo na apreciação que fez a este (como chamar-lhe mesmo?) negócio inventivo capitaneado pela administração de uma empresa pública de transportes que entretanto se demitiu em face da recusa de visto e da vigorosa reprimenda pública a que foi sujeita.
Não era para menos. Decidir comprar dez navios elétricos (por 52 milhões de euros) e não contemplar as baterias (que iriam custar 15,5 milhões) para nove deles é, de facto, mirabolante, mais ainda quando a encomenda das fontes de alimentação destas embarcações ia ser feita à mesma empresa.
Mas se este caso traduz a massa de que são feitos os gestores públicos, cada vez mais engajados e protegidos politicamente, ele também encerra outra lição. A de que a limpidez do regime continua a depender de instituições de fiscalização independentes, fortes e interventivas, como o Tribunal de Contas e o Tribunal Constitucional, que sejam capazes de bater o pé a estes desmandos. Mesmo que, para o ministro Duarte Cordeiro, o relatório arrasador do TC tenha sido "um transtorno". E que a decisão da Transtejo de comprar barcos elétricos sem baterias foi tomada com a consciência "de que era a melhor que se podia tomar na altura". O que quer isto dizer? Nada. O ministro encolhe os ombros, passa a guia de marcha aos administradores demissionários e arranja outros para o seu lugar.
Entretanto, os 22 milhões de passageiros que, só no ano passado, escolheram esta empresa para se deslocarem da Margem Sul para Lisboa vão continuar a fazê-lo em barcos velhos e lotados. Sempre que não haja greves, claro.
* Pedro Ivo Carvalho in Jornal de Notícias - 18.3.2023