" O sono é essencial para a saúde" é o lema do Dia Mundial de Sono deste ano. Mas quais são realmente as consequências de um mau sono?
As consequências de um mau sono surgem logo após uma noite sem dormir. Veja que se decidir conduzir ao fim de 18 horas acordado, as suas capacidades cognitivas e motoras (a nossa reação ao ambiente) serão as mesmas de alguém com uma taxa de alcoolemia de 0,5g/litro de sangue (a taxa de alcoolemia máxima permitida em Portugal).
Também a sonolência associada à falta de sono pode trazer risco de vida quando surge durante a condução ou em profissões de risco como os maquinistas ou pilotos de aviação. Hoje a sonolência é a causa mais frequente de acidentes, ultrapassando o álcool e as drogas!
As nossas funções cerebrais ficam igualmente comprometidas se dormirmos pouco, mesmo com privações de sono ligeiras. De facto, se dormir menos de 7h terá menos atenção, concentração, memória, raciocínio, capacidade de aprendizagem e processamento de informação. Quanto menos horas dormir, mais estes défices serão marcados. Assim, se dormir menos de 5h, o risco de demência de Alzheimer duplica.
A regulação emocional também fica afetada. Quando dormimos mal, não somos seres racionais. Não conseguimos tomar decisões ponderadas. Reagimos ao mínimo estímulo como se a nossa vida estivesse em perigo. Estamos assim a ser comandados pelo nosso cérebro mais primitivo, mais concretamente a amígdala, por inatividade do nosso córtex prefrontal, uma das áreas do nosso cérebro mais afetada pela falta de sono.
Sabemos que existe uma íntima ligação entre as patologias do sono, as perturbações do humor e doenças psiquiátricas. Basta dormir cerca de 5h durante uma semana para sentir uma alteração do nosso humor assim como confusão, fadiga e irritabilidade. Sim, as pessoas que sofrem de insónia têm um risco nove vezes superior de ter depressão e 17 vezes superior de sofrer de ansiedade!
Durante o sono existe também uma regulação do nosso sistema imunológico, que nos protege das infeções. Os estudos mostram um risco maior de contrair infeções nas pessoas com insónia. Quem dorme menos de sete horas tem um risco três vezes superior de ficar constipado. Até as vacinas são menos eficazes nas pessoas que dormem pouco.
Outra função do sono é a regular o nosso apetite. Existem duas hormonas que regulam o nosso apetite: a grelina e a leptina. A grelina faz nos sentir fome e a leptina tem uma função oposta, trata-se da hormona da saciedade. Quando dormimos pouco, os níveis da grelina disparam e os da leptina diminuem, pelo que sentimos mais fome. O pior é que para além de comermos mais, sabemos que existe uma maior tendência nas pessoas que dormem pouco para alimentos menos saudáveis, como gorduras, alimentos doces e hidratos de carbono. Assim, dormir menos de seis horas por noite aumenta o risco de excesso de peso, obesidade e de diabetes. Por isso se quer emagrecer, não coloque de lado as horas de sono.
Mas há mais. Fala-se muito no risco cardiovascular associado à alimentação, à falta de exercício, mas poucos falam do sono. Sabia que existe uma correlação entre o número de horas de sono e o risco de vir a desenvolver hipertensão arterial? Se dormir menos de 6h o risco de ter hipertensão arterial triplica, se dormir menos de 5h o risco é 5 vezes superior. Dormir menos de 5h por noite também duplica o risco de morrer de doença coronária (angina de peito ou enfarte agudo do miocárdio) e aumenta em 18% o risco de ter um acidente vascular cerebral (AVC)!
Assim, não é possível ter saúde sem um bom sono. Não é possível ser feliz sem um bom sono. Procure ajuda para dormir melhor.
* Sílvia Correia in Jornal de Notícias - 17.3.2023
** Médica pneumologista, especialista em medicina do sono