Portugal é cada vez mais um país de contrastes, e não estamos a falar de Norte/Sul, litoral e interior, aí a diversidade paisagística e geográfica aparece como fator positivo. País de contrastes sem nada propiciar de positivo. Mais à frente, nas páginas deste jornal, vamos ler duas notícias que, numa sociedade justa, seriam contraditórias. E não deixam de o ser.
No setor automóvel, a venda de carros de luxo registou em 2022 um aumento de 22% em relação ao ano anterior. No topo das preferências dos portugueses, pelo menos dos que têm dinheiro para os comprar e manter, estão os Porsche. Mas os Bentley, Maserati, Aston Martin, Ferrari e Lamborghini não ficam nos stands a ganhar pó por falta de compradores. Enquanto isso, ficamos a saber que a ASAE fez mais um raide pelas grandes superfícies. Em causa a escalada de preços: está a transformar a vida dos portugueses (dos desprovidos de bens para comprar Porsches e Bentleys) num exercício difícil e diário. Chegar ao fim do mês, pagar as despesas obrigatórias e ainda pôr comida na mesa todos os dias, são cada vez mais os que não conseguem tal feito.
É esta a contradição. O luxo faraónico e a pobreza quotidiana. Nada de novo. Sempre assim acontece quando rebenta uma crise. Os pobres declinam mais pobres, os ricos prosperam mais ricos. Esta dualidade não surpreende, mas continua a indignar as pessoas de límpida consciência. A indignar e a preocupar. Trilhamos, parece, um caminho sem retorno, de crise em crise. Acaba uma, respiramos, desponta outra. Em paralelo, a sociedade revela-se mais desigual, o fosso cavado entre os que podem tudo e os que nada têm torna-se profundo, intransponível. Uma realidade, dir-se-ia, própria de países pouco desenvolvidos - não de uma democracia consolidada, num país da União Europeia.
* Paula Ferreira in Jornal de Notícias - 16.3.2023