30.1.23

OPINIÃO: Isto é inaceitável!

Desde 2008, que o número de dadores e dádivas vinha a cair. Em 2021, conseguiu-se inverter essa tendência e até aumentámos o número de dadores de primeira vez e o número de dadores dos 18 aos 24 anos, o que nos faz acreditar no futuro com mais otimismo. É o resultado do trabalho dos profissionais de saúde e do movimento associativo apoiado por valerosos dirigentes, todos eles voluntários.
Felizmente o ano de 2022 acompanhou os números de 2021 com menos 900 unidades de sangue, o que corresponde a um dia de colheitas. Comparado com os resultados internacionais, é muito bom. Até há pouco tempo, eram necessárias 1000 dádivas por dia. Atualmente, precisamos de 1100 para garantir a sobrevivência de 1100 doentes.
Lutamos com várias dificuldades e uma delas é o envelhecimento da população. Segundo os censos de 2021, a população diminuiu 2% e a população com mais de 65 anos aumentou 20%. Por coincidência, esta percentagem é, também, o n.º de portugueses que deixaram Portugal. Hoje temos o dobro dos portugueses emigrados em comparação com os anos 60 – somos o oitavo país do mundo com mais emigrantes. E muitos dos emigrantes que recebemos, são escravizados e sem condições humanas para dar sangue, mesmo os legalizados. No entanto, já temos emigrantes dadores e por isso já existe um questionário bilíngue para a triagem.
Outra dificuldade, tem a ver com as doenças emergentes como o covid19. Até as alterações climáticas condicionam a dádiva de sangue, devido às ondas de calor, que motivaram suspensões de colheita por hipotensão, tensão baixa e reações vasovagais. Mas tem sido no inverno, de janeiro a fevereiro com o frio e as infeções respiratórias, que as reservas de sangue baixam consideravelmente, o que obriga a um apelo mais intenso para que os dadores, de forma equilibrada, façam as suas dádivas.
Não pode ser com alarmismos, esse é o caminho errado, pois os componentes sanguíneos têm validade: Os homens só podem dar sangue de três em três meses e as mulheres de quatro em quatro meses. Por isso é que nestas alturas é mais importante que a dádiva seja regulada. Também, não pode ser com palavras de pessimismo e derrotismo; temos de acreditar na grande generosidade dos nossos dadores e no trabalho dedicado dos profissionais de saúde e dos dirigentes associativos que de forma voluntária, se entregam de corpo e alma a esta causa. São 1100 doentes por dia a precisarem dos dadores e inclui doentes oncológicos, onde se conta com muitas crianças dependentes dos componentes sanguíneos.
Para garantir o futuro da dádiva de sangue, é muito importante o trabalho que a FAS Portugal tem tido nas Escolas, mas precisamos de mais e o Ministério da Educação, devia adotar este assunto de forma a garantir a promoção da dádiva de sangue, junto dos jovens estudantes. Felizmente o aperto que costumamos sentir no início dos anos, este ano não é tão preocupante e até temos uma pequena recuperação. Mas não nos podemos distrair, até meados de fevereiro é fundamental que os dadores façam a sua dádiva regularmente.
No entanto, ninguém entende como é que com tanta necessidade e agora, com a possibilidade que no passado não existia, de aproveitarmos melhor o plasma, em especial para o fracionamento, como é que se cancelam colheitas de sangue e porque são recusados dadores, por falta de meios técnicos e de pessoal. Está em curso, um importante concurso para fracionamento de plasma, 60.000 litros que vão dar origem a medicamentos plasmáticos como a Imunoglobulina, Fator VIII e Albumina que apenas vão responder a uma parte das necessidades nacionais, o que nos obriga ainda a importar. Existe uma razão, mas não é aceitável, o IPST, IP, vive com dificuldades de meios e isso, deve-se à falta de investimento e de atenção dos nossos governantes.
Já temos uma importante evolução no Programa Nacional Estratégico para o Plasma, com cerca de dez hospitais certificados para a recolha de plasma para fracionamento, além dos Centros de Sangue do IPST. Mas precisamos de descentralizar os equipamentos de aférese para o plasma e para as plaquetas e para isso, é necessário investimento que vai ter retorno.
É uma questão de opções, mas percebemos que esta, ainda não é uma prioridade e por isso vamos perdendo milhões de euros em importações de qualidade duvidosa e eticamente reprovável. Por isso, também, temos dirigentes de Associações que no início dos anos, têm de adiantar dinheiro do seu bolso para garantirem as colheitas de sangue. E isto é inaceitável!
* Paulo Cardoso - Vice-presidente a Federação das Associações de Dadores de Sangue de Portugal – FAS Portugal
in Programa "Desabafos" / Rádio Portalegre - 27.1.2023