10.12.22

OPINIÃO: Quando cai a noite na cidade

 
As violentas inundações que atingiram a área da Grande Lisboa provocaram o habitual corrupio de reações, consternações e acusações típico dos agentes públicos que raramente discutem o essencial para se focarem no imediato.
E o imediato traduz-se assim: como é que foi possível que o coração geográfico da capital tivesse, quase de uma hora para a outra, ficado submerso? Falharam os avisos, descurou-se a limpeza ou houve, naquela demonstração de fúria da Natureza, apenas a certeza de que estes fatores climatéricos extremos vão ser o pão nosso de cada dia? Terá sido um pouco de tudo: primeiro, porque os alertas do IPMA já se banalizaram de tal forma que ninguém lhes liga; depois, porque o cuidado do espaço público tem vindo a degradar-se; e, finalmente, porque de facto choveu demasiado em tão pouco tempo numa superfície urbana incapaz de drenar tanta água.
Mas podendo este conjunto de razões ajudar a explicar o sucedido, há um outro debate que se sobrepõe: o do planeamento das cidades. Não a forma como estamos a emendar asneiras urbanísticas herdadas do século passado, mas a forma como temos de adaptar as políticas públicas às novas realidades sociodemográficas e ambientais. Numa imagem demasiado simplista, somos hoje muitos mais a ocupar o mesmo espaço. Quase metade da população vive nas áreas metropolitanas de Lisboa e do Porto. Portugal está excessivamente litoralizado e a pressão demográfica nestes núcleos é um espartilho complexo. Estima-se que, em 2050, dois terços da população mundial vivam na cidade.
E Portugal não será exceção. Por isso, queiramos ou não, este debate sobre a segurança das comunidades urbanas num contexto de constantes arrufos do planeta irá impor-se com naturalidade. Seria desejável que não tomássemos decisões apenas quando o calor aperta ou os rios vazam para as estradas. Mas enfim, isso talvez já seja pedir muito.
* Pedro Ivo Carvalho in "Jornal de Notícias" - 10/12/2022