5.12.22

OPINIÃO: Não respeitava os direitos humanos

 
Quem me conhece bem, sabe que tenho uma paixão pelo futebol. Tive a minha experiência futebolística num clube local (Portalegrense) e essa paixão manifesta-se sempre que encontro antigos companheiros nos convívios que organizamos para recordar os bons velhos tempos. Contudo, nunca fui faccioso, nem coloco o futebol à frente de tudo. Gosto de ver um bom jogo e defendo a justiça nos resultados; mas isso é apenas um dos lados negros da questão.
O clubismo, também arrefeceu em mim, quando os clubes foram absorvidos pelas SAD’s. As frades e os escândalos financeiros nessa área, colocaram-me do outro lado da barricada. Os culubes já não são dos sócios, mas sim dos milionários, dos patrocinadores e são frequentes as descobertas sobre a corrupção promovida por administradores dessas SAD’s.
O mesmo acontece no plano internacional e a escolha do Qatar, não foi mais do que um jogo de interesses que nada têm a ver com o futebol, mas com milhões que circulam e favorecimentos que envergonham o mundo do futebol. Depois ainda temos países como Portugal que permitem fugas ao fisco e até perdões fiscais. Existe um tratamento fiscal favorável ao mundo do futebol enquanto quem trabalha é carregado com impostos e se tiver uma dívida, fica em maus lençóis.  
Enquanto, a FIFA promoveu a escravatura no Qatar, para o Mundial 2022, impediu a Dinamarca de substituir nas camisolas para os treinos, o nome do patrocinador (normalmente uma multinacional) pela frase “Direitos Humanos para todos”. Infelizmente, eu não estava à espera de que a Seleção portuguesa fosse solidária com a Dinamarca e com essa mensagem e muito menos esperei que o Presidente Marcelo, Ana Catarina Mendes no lugar do Primeiro-ministro António Costa por motivos de saúde e o Presidente da Assembleia da República, entre outros tivessem a mesma atitude de outros homólogos seus, ou no mínimo que dissessem como o Presidente da França, Emmanuel Macron que só vai ao Qatar se a França for à final.
Por falar em França, também convém recordar que a escolha do Qatar teve uma grande influência de Nicolas Sarkozy com a colaboração de Michel Platini com altos cargos na UEFA e na FIFA e um dos principais beneficiários a par de um clube francês. Podemos afirmar que o Qatar comprou o direito de ter o Mundial 22 no seu país.  
Mas, além dos milhares de trabalhadores escravizados que morreram na construção dos estádios, temos ainda muitas violações dos direitos humanos como denunciam há muito, as principais organizações internacionais. Mas estas violações correm mundo e uma vez mais, assistimos a notícias sobre a escravatura em Portugal em especial no Baixo Alentejo.
Neste rol de desgraças, pelo menos, o mundo ficou a conhecer melhor o verdadeiro Qatar que revela bem os podres do capitalismo associado ao sistema financeiro mundial. Fica a esperança que ao menos com este contacto com o mundo, os catarianos percebam que o país deles tem de mudar. Aquela monarquia absolutista não rima com nada em pleno século XXI. Para já, o futebol consegue, para muitos, fazer esquecer as alterações climáticas e a fome no mundo e também faz esquecer muitos governantes que se curvam perante uma ditadura repressiva.
É verdade que vibrei com as vitórias e a grande entrega dos jogadores da nossa Seleção, mas para mim o melhor jogador em campo foi aquele italiano corajoso, Mario Ferri, que invadiu o relvado com uma bandeira arco-íris e uma t-shirt de apoio à Ucrânia e às mulheres do Irão. Foi banido do Mundial 2022 de futebol, mas ficou no meu coração. A vitória de Portugal sobre o Uruguai teve um valor acrescido. Este ativista já fez o mesmo em 2014 no Brasil, apelando, “salvem os filhos da favela”.
Subscrevo as palavras dele, quando diz que o mundo tem que mudar e que para isso são necessários “gestos fortes”. Ele exige respeito por todas as raças e ideias. Como ativista, preocupa-se com as injustiças para com as mulheres e como voluntário, percebeu, o momento difícil que o povo ucraniano passa. Acredito que muita gente não achou piada e acham bem que o Mario seja banido, mas para mim é um exemplo a seguir. No Irão e na China, os protestos revelam a vontade de mudança.Ao contrário, quando Marcelo Rebelo de Sousa, nas suas habituais trapalhadas, diz: «O Qatar não respeita os direitos humanos, mas, enfim, esqueçamos isto». Só faltou dizer, de seguida vou a Fátima e depois ouvir uns fados e assim manter vivos os três pilares do Estado Novo (FFF) que, diga-se de passagem, também, não respeitava os direitos humanos.
Seja qual for o país que erga a taça e espero que seja Portugal, se a merecer, vai erguer a taça da vergonha.
* Paulo Cardoso in Programa "Desabafos" / Rádio Portalegre / 02-12-2022