18.12.22

Alina Velniciuc: A saudade também se escreve (e sente) em romeno

“ Já fui e já regressei;/ já tornei a ir e tornei a regressar;
aqui estou, de pés no chão, /sem um vintém, sem um tostão,
a querer ir... / e tornar a regressar...)

   - Poesia de Cabo Verde sobre a Emigração
Portugal já foi ponto de partida e de encruzilhadas. Aqui se iniciaram muitos dos caminhos que deram a volta ao mundo, construindo a geografia do sonho, da esperança e da liberdade. O sonho de uma vida melhor, a esperança de um futuro sem sombras nem fantasmas, a liberdade para tomar nas próprias mãos esse destino forjado na luta e no trabalho do dia a dia.
Esse tem sido o desígnio de Alina Velniciuc em Portugal, numa viagem iniciada há quatro anos no seu país natal, a Roménia e que teve o Alentejo como porto de abrigo. A sua história, tal como no-la contou. 
Alina Velniciuc tem 29 anos, os olhos cor de mel, o sorriso de quem já aprendeu que o futuro não se obtém de mão beijada, mas é conquista, dura, permanente.
Veio da Roménia para Portugal há quatro anos. Chegou ao Alentejo, como poderia ter chegado a Trás-os Montes ou ao Litoral. O apelo de um familiar foi o primeiro contacto com uma região e um país de que aprendeu a gostar.
Está em Nisa, onde vive e trabalha, sem nunca esquecer o tesouro em forma de criança, que deixou lá na sua vila, bem perto de Arad, uma cidade com mais de 170 mil habitantes e  um acervo  patrimonial notável.
“Cheguei a Portugal em 2002, a Borba, no Alentejo, através do contacto de um primo. Senti muitas dificuldades, como todos aqueles que chegam a uma terra estranha e onde se fala uma língua diferente. Estava sozinha e aos poucos fui aprendendo a falar português, as palavras mais necessárias.
Em Borba estive três ou quatro meses. Os primeiros tempos foram muito duros.Andei na apanha da azeitona, num monte onde não se via ninguém, apenas os meus compatriotas. O patrão parecia boa pessoa e de confiança, mas trabalhámos no duro e não nos pagou. Trabalhei depois num restaurante e a principal dificuldade era entender os clientes, aquilo que eles pediam”.
Trabalho precário para quem chegou a Portugal com um visto de turista, temporário. Alina deu-se conta de que, tal como na sua Roménia, também aqui existiam dificuldades económicas.
O contacto de outro familiar, a trabalhar no corte de eucaliptos, fê-la rumar ao norte do Alentejo. Nisa passou a ser a sua terra de promissão.e de esperança num trabalho que lhe proporcionasse as poupanças necessárias para um dia retornar ao país de origem.
“ A Nisa, cheguei em Janeiro de 2003. Estive na casa da senhora Rosa do Pardal e o primeiro trabalho, durante 3 meses, foi na limpeza. Não digo que era mau, mas era só aos sábados e o que ganhava não daria para viver, quanto mais para fazer algumas economias. Em Abril, comecei a trabalhar neste restaurante e aqui me tenho mantido”.
É um trabalho para o qual parece sentir-se “como peixe na água” e, sabendo-se que em Arad trabalhou num restaurante,  não espanta a prontidão, a eficiência e o profissionalismo com que dá resposta às solicitações da clientela.
“Saí da escola aos 11 anos, andei numa escola profissional e tenho o diploma de costureira. Comecei a trabalhar desde muito cedo. A minha satisfação, aqui, é ver as pessoas bem servidas e a todos trato por igual. Gosto deste trabalho, pois sou uma pessoa muito adaptável e tenho muita força. Se estivesse na Roménia não ganhava nada, aqui ao menos trabalho e vivo melhor.”
O romeno pertence, tal como o português, ao grupo das línguas novi-latinas. Alina não conhece, na sua língua, a palavra saudade. Mas sente-lhe os contornos, a angústia da lonjura,  os apelos da alma confrontada com a distância e a incerteza.
“Tenho uma filha com 8 anos. É ela a minha força, o meu tesouro. A minha luta é para ajudar a minha filha. “Mato” as saudades através do telefone e da televisão. Gosto de estar aqui e sinto-me alentejana. Tenho uma casinha, a vida aqui é tranquila, não há barulhos nem desentendimentos, as pessoas respeitam-me. Posso dizer que estou adaptada a Portugal e a Nisa. Quando fui à Roménia já tinha saudades de voltar”
Há quatro anos em Portugal, Alina Velniciuc tem travado uma autêntica batalha contra a burocracia pela legalização. O processo tem sido moroso, apesar do apoio da própria entidade patronal e de outras instituições. Alina não perde, contudo, a esperança.
“ Tem sido uma grande luta e alguma coisa acontece. Há compatriotas meus que já estão legalizados. Já gastei muito dinheiro e fui à Roménia. Tem sido difícil. Mas não vou desistir, quero ficar aqui mais alguns anos, não tenho planos para ir embora.”
Ficar, trabalhar, resistir, construir a pulso e determinação, a esperança de um futuro melhor. Para si, mas, principalmente, para o pequeno tesouro que deixou na Roménia.
“Se houvesse um centro de informação, um espaço cultural com jornais, revistas, livros e até cursos de língua portuguesa, as coisas tornavam-se mais fáceis. "
* Mário Mendes in Jornal de Nisa nº 208