2.3.22

OPINIÃO: O nutricionista não me deixa comer propaganda

Mau tempo no canal 227 da box. Na sequência da invasão da Ucrânia pela Rússia, a União Europeia anunciou que tenciona suspender o canal RT e a agência Sputnik no território comunitário.
São boas notícias para quem acha que subscreve demasiados canais que nunca vê, más notícias para quem pensa que a resposta da UE às ações do Nero de São Petersburgo deve afastar-se dos tiques totalitários que condenamos nele. A Google também banirá os canais de YouTube dos órgãos russos, mas já estamos habituados a que as gigantes tecnológicas definam discricionariamente o que é que deve ou não deve aparecer-nos à frente dos olhos - serem as instituições europeias a fazê-lo é que abre um precedente um pouco mais grave.
São legítimas as preocupações com a propaganda em tempos de guerra, mas idealmente o empenho deveria ser pôr os russos a ver mais canais e não pôr os cidadãos europeus a verem menos. Na improbabilidade de um cidadão russo a residir na Europa só se ter informado acerca do conflito através dos canais de Putin, a proibição só alimentará a narrativa de que era nesse canal que se difundia “a verdade”. Ademais, há repórteres do Mundo inteiro na Ucrânia, não corremos o risco de ter acesso apenas à versão Putinista dos factos. Não existe nenhuma bomba nuclear contra as fake news, mas a diversidade de fontes de informação parece-me a única arma que as pode combater sem sairmos disto consideravelmente menos livres. 
Na última semana, o Mundo tem demonstrado o apoio à Ucrânia de forma orgânica. Mesmo havendo fações que teimam em não condenar claramente o ato de agressão, não me parece que qualquer género de glorificação da campanha russa tenha penetrado no espaço mediático. Portanto, fica difícil de perceber a postura do procurador-geral Checo, que revelou que a polícia está a monitorizar, na internet e nas ruas, discurso favorável à invasão russa, que pode configurar “aprovação de genocídio” e resultar em prisão. Parece mesmo uma ideia saída dos corredores do Kremlin. É compreensível que queiramos agir com assertividade contra Putin, mas não se combate autocratas com autocracia.
Por último, é importante recordar que Vladimir Putin é russo, mas os russos não são Vladimir Putin. A comunidade russa em Portugal queixa-se de estar a ser alvo de bullying e discriminação, em casos como o de um restaurante que terá exposto um menu a dizer “Russos fora de serviço”. A não ser que se esteja a falar da especialidade de pastelaria feita à base de amêndoa e doce de ovo, é uma atitude inaceitável. Não convém esquecer que somos cidadãos de um país que também já enviou o seu povo para uma guerra que ninguém queria combater.
* Manuel Cardoso - 24.sapo.pt