Portugal não pode parar! Precisa de investir, de crescer, de
desobstruir as veias por onde correm os capitais e os fluxos económicos,
precisa de poder contratar sem burocracias e de adjudicar sem idiossincrasias,
desimpeçam os caminhos, carreguem nos aceleradores, liguem as máquinas – e que
jorrem as betoneiras e frutifiquem os olivais, a poderes que criam respostas
não se fazem perguntas, a quem faz vista grossa não se exige visto prévio,
deixem todos os luíses trabalhar – e transformem o Tribunal de Contas num
tribunal faz-de-contas.
Pois bem, este sonho antigo de muitos autarcas e ministros da Economia
está prestes a tornar-se realidade. E é esta realidade que hoje faz manchete
neste jornal: a reforma da lei orgânica do Tribunal de Contas, que visa reduzir
as necessidades de visto-prévio em contratos do Estado e deixar os poderes
políticos (locais e central) livres de observação. É para contratar à balda?
O Estado tem, de facto, um problema de execução: tudo é demasiado lento
e demasiado burocrático, tudo carece de infinitas autorizações de entidades que
disso precisam para se autojustficarem, tudo carece e padece de excesso de
pareceres, licenças, despachos, autorizações e verificações nos limites do
inferno. É também por isso que a reforma do Estado é urgente – e que tenho
elogiado o ministro Gonçalo Saraiva Matias como arma secreta de Luís
Montenegro, pois dele depende grande parte do que se espera de melhor deste
governo.
Acontece que o Tribunal de Contas não é um tropeço, é uma das
instituições públicas de sindicância mais credíveis. Diga-me uma vez em que o
Tribunal de Contas errou, em que se enganou ou enganou o país, em que avaliou
mal ou decidiu pior. Uma vez, só uma: lembra-se? Houve-as, claro, mas não
chegam para precisar de tira-nódoas. O problema do modelo do Tribunal não é
errar, é detetar a falha ou a ilegalidade depois de ela estar consumada e de
ser irreversível. Assim acontece exceto com o visto prévio. Ora, é esse que o
governo quer neutralizar. E assim transformar a instituição num carro vassoura
dos processos concursais: virá no fim de tudo, depois de todos e após o tempo
útil. Será irrelevante mesmo quanto tiver razão.
Os concursos públicos são fonte de corrupção e é nos ajustes diretos
que aparecem muitas ilegalidades, como têm alertado vários responsáveis,
incluindo a atual presidente do Tribunal de Contas, Filipa Urbano Calvão, que
não tem perfil para molezas. Entende-se (e aplaude-se) a urgência do Governo em
reformar o Estado, mas cortar o poder de verificação prévia ao Tribunal de Contas
não é só tirar portagens das autoestradas do investimento público, é deixar
conduzir de faróis apagados sem freios nem limites de velocidade. É um erro.
Porque mesmo sopesando o dilema clássico entre regulação jurídica e velocidade
de investimento, ou entre crescimento económico e corrupção, um contrapoder
anódino não é contrapoder nenhum. Querem velocidade? Deem mais meios ao
Tribunal de Contas e exijam-lhes resposta.
Lamentamos, mas o Tribunal de Contas é um tribunal de contras, não
existe para dar jeito nem para se consumar como lar de pareceres idosos. E só é
independente a instituição que tem liderança forte, equipa capaz e meios ao
dispor. Tudo o mais é tacho para dar ocupação ou panela sem préstimo.
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Pedro Santos Guerreiro – Sol - 19 de Outubro 2025
