25.10.25

OPINIÃO: Luís, deixa a Filipa trabalhar


Só é independente a instituição que tem liderança forte, equipa capaz e meios ao dispor. Tudo o mais é tacho para dar ocupação ou panela sem préstimo.

Portugal não pode parar! Precisa de investir, de crescer, de desobstruir as veias por onde correm os capitais e os fluxos económicos, precisa de poder contratar sem burocracias e de adjudicar sem idiossincrasias, desimpeçam os caminhos, carreguem nos aceleradores, liguem as máquinas – e que jorrem as betoneiras e frutifiquem os olivais, a poderes que criam respostas não se fazem perguntas, a quem faz vista grossa não se exige visto prévio, deixem todos os luíses trabalhar – e transformem o Tribunal de Contas num tribunal faz-de-contas.

Pois bem, este sonho antigo de muitos autarcas e ministros da Economia está prestes a tornar-se realidade. E é esta realidade que hoje faz manchete neste jornal: a reforma da lei orgânica do Tribunal de Contas, que visa reduzir as necessidades de visto-prévio em contratos do Estado e deixar os poderes políticos (locais e central) livres de observação. É para contratar à balda?

O Estado tem, de facto, um problema de execução: tudo é demasiado lento e demasiado burocrático, tudo carece de infinitas autorizações de entidades que disso precisam para se autojustficarem, tudo carece e padece de excesso de pareceres, licenças, despachos, autorizações e verificações nos limites do inferno. É também por isso que a reforma do Estado é urgente – e que tenho elogiado o ministro Gonçalo Saraiva Matias como arma secreta de Luís Montenegro, pois dele depende grande parte do que se espera de melhor deste governo.

Acontece que o Tribunal de Contas não é um tropeço, é uma das instituições públicas de sindicância mais credíveis. Diga-me uma vez em que o Tribunal de Contas errou, em que se enganou ou enganou o país, em que avaliou mal ou decidiu pior. Uma vez, só uma: lembra-se? Houve-as, claro, mas não chegam para precisar de tira-nódoas. O problema do modelo do Tribunal não é errar, é detetar a falha ou a ilegalidade depois de ela estar consumada e de ser irreversível. Assim acontece exceto com o visto prévio. Ora, é esse que o governo quer neutralizar. E assim transformar a instituição num carro vassoura dos processos concursais: virá no fim de tudo, depois de todos e após o tempo útil. Será irrelevante mesmo quanto tiver razão.

Os concursos públicos são fonte de corrupção e é nos ajustes diretos que aparecem muitas ilegalidades, como têm alertado vários responsáveis, incluindo a atual presidente do Tribunal de Contas, Filipa Urbano Calvão, que não tem perfil para molezas. Entende-se (e aplaude-se) a urgência do Governo em reformar o Estado, mas cortar o poder de verificação prévia ao Tribunal de Contas não é só tirar portagens das autoestradas do investimento público, é deixar conduzir de faróis apagados sem freios nem limites de velocidade. É um erro. Porque mesmo sopesando o dilema clássico entre regulação jurídica e velocidade de investimento, ou entre crescimento económico e corrupção, um contrapoder anódino não é contrapoder nenhum. Querem velocidade? Deem mais meios ao Tribunal de Contas e exijam-lhes resposta.

Lamentamos, mas o Tribunal de Contas é um tribunal de contras, não existe para dar jeito nem para se consumar como lar de pareceres idosos. E só é independente a instituição que tem liderança forte, equipa capaz e meios ao dispor. Tudo o mais é tacho para dar ocupação ou panela sem préstimo.

·         Pedro Santos Guerreiro – Sol - 19 de Outubro 2025