No tempo dos meus avós
Muitos morreram sem ver
O vulgar comboio para nós
E as ondas do mar a bater
Os mais antigos então
Só o campo os prendiam
Sem terem do mundo a visão
Do que no seu tempo se fazia
No campo trabalhavam
E pelo campo dormiam
Ao trabalho se entregavam
Até de noite, enquanto viam
Trabalharam e morreram
Sem jamais terem férias
Será vida o que viveram
Ou canseiras e misérias?
Muitos tempos se passaram
Sem à vila virem ficar
Mas sempre que regressavam
Vinha pelo escuro a tropeçar
Homens incultos e rudes
Eram do trabalho orgulhosos
Mas entre as muitas virtudes
Eram puros e bondosos
No trabalho tinham vaidade
E era nele que se media
Em cada um a capacidade
De poder e valentia
Sem tempo para os amigos
Nem nos domingos passear
Eram assim os antigos
Só no trabalho a pensar
A terra era disputada
Palmo a palmo com ambição
Muitas vezes sem dar nada
A não ser mato para picão
Muita gente apaixonada
Deixou fugir o casamento
Por ter mais uma tapada
E não ter dos pais o consentimento
Nos terrenos onde não havia
As paredes por separar
Era a linda * que fazia
O mesmo efeito para marcar
Por ambição demasiada
E quem vergonha não tinha
A linda era mudada
Para onde mais lhes convinha
* Linda – linha divisória que estabelece o terreno de dois proprietários