31.8.25

OPINIÃO: Não vamos embora


À primeira vista, é "apenas" um gesto de inabilidade política, indelicadeza e desrespeito pelo escrutínio a que qualquer titular de cargo público está sujeito. Terminada uma curta declaração sobre os incêndios, a ministra da Administração Interna ignora uma pergunta dos jornalistas, levanta-se e dirige ao staff um sonoro "Vamos embora". O que acaba por ser, simbolicamente, uma síntese perfeita do que sucessivos governos têm feito ao país que arde e sofre as consequências do abandono.

O Estado tem ido embora, literalmente, de concelhos onde foram encerrados serviços públicos que eram essenciais para assegurar proximidade, conhecimento do território, qualidade de vida e dinâmicas locais de emprego. E tem ido embora a cada decisão que acentua assimetrias e concentra recursos e investimento em Lisboa - o que acontece em praticamente todas as áreas setoriais. Se analisarmos orçamentos e modelos de decisão e governação, somos um país profundamente centralizado e em que grande parte do território é, de facto, paisagem.

Os incêndios não são um problema de floresta. Com isto não se ignora a necessidade de ordenamento, a falta persistente de cadastro, o impacto das espécies e tantos outros temas que exigem uma abordagem especializada. O que se pretende sublinhar é que, a montante das questões florestais, há um contexto dramático de despovoamento que condiciona toda a estratégia territorial. Espaços rurais ocupados e com atividade económica são naturalmente espaços com prevenção e maior capacidade de vigilância.

Há um país que resiste, aquele que vemos desesperado a apagar as chamas e para quem o verão é o resultado previsível do esquecimento no resto do ano. Um país cada vez menos representado no Parlamento, devido ao nosso sistema eleitoral, e para o qual até os fundos europeus começarão a escassear, se vingarem as mudanças previstas nas políticas de coesão. É vergonhoso que o Governo vire costas a quem, pelo contrário, não vai embora.

·         Inês Cardoso – Jornal de Notícias- 20 de agosto, 2025