25.8.25

OPINIÃO: Na pobreza de Belmiro de Azevedo…


Sou filho de uma mãe que nasceu pobre e de um pai que nasceu com livros e um piano que eu achava ser de cauda. Durante muitos dos meus anos, não foi fácil. Todos os meses era um sufoco, o dinheiro dava apenas para o básico. Agora que o penso, talvez esteja aí a origem de uma certa timidez, de uma propensão para o silêncio que me é inata. Na parte pobre do bairro onde vivia, os meus amigos julgavam-me um príncipe, sempre limpinho, quase sempre avesso às brincadeiras de mau-gosto dos meus amigos das barracas - lendário o Moreira, que cantava o hino em diabólicos arrotos. Já na parte rica do bairro onde moravam o meu pai e a sua mãe, a avó Alice, os da minha idade não me entendiam bem, achavam-me culto, mas bruto, com roupas baratas e gostos menos refinados. Os pobres achavam-me rico. E os ricos achavam-me pobre. O dinheiro oferece possibilidades de sermos mais, de vermos mais, de sabermos mais. Mas não oferece o essencial de que precisamos para ser felizes, seja isso o que for. Recordo uma conversa com Belmiro de Azevedo. No seu gabinete, com um mapa com pontinhos vermelhos que indicavam os lugares em que a Sonae tinha negócio, confessou-me que, sendo rico, e podendo almoçar ou jantar em qualquer restaurante do Mundo, nunca lhe saía da cabeça o que comia na sua casa pobre de infância no Marco de Canaveses. Escrevo-te hoje sem destino. Deixo as palavras nascerem no papel e são elas que me juram que o dinheiro nunca supera o amor que se recebe num tempo em que tudo é futuro e somos eternos.

·         Luís Osório – Escritor - 25 de agosto, 2025