Sou
filho de uma mãe que nasceu pobre e de um pai que nasceu com livros e um piano
que eu achava ser de cauda. Durante muitos dos meus anos, não foi fácil. Todos
os meses era um sufoco, o dinheiro dava apenas para o básico. Agora que o
penso, talvez esteja aí a origem de uma certa timidez, de uma propensão para o
silêncio que me é inata. Na parte pobre do bairro onde vivia, os meus amigos
julgavam-me um príncipe, sempre limpinho, quase sempre avesso às brincadeiras
de mau-gosto dos meus amigos das barracas - lendário o Moreira, que cantava o
hino em diabólicos arrotos. Já na parte rica do bairro onde moravam o meu pai e
a sua mãe, a avó Alice, os da minha idade não me entendiam bem, achavam-me
culto, mas bruto, com roupas baratas e gostos menos refinados. Os pobres
achavam-me rico. E os ricos achavam-me pobre. O dinheiro oferece possibilidades
de sermos mais, de vermos mais, de sabermos mais. Mas não oferece o essencial
de que precisamos para ser felizes, seja isso o que for. Recordo uma conversa
com Belmiro de Azevedo. No seu gabinete, com um mapa com pontinhos vermelhos que
indicavam os lugares em que a Sonae tinha negócio, confessou-me que, sendo
rico, e podendo almoçar ou jantar em qualquer restaurante do Mundo, nunca lhe
saía da cabeça o que comia na sua casa pobre de infância no Marco de Canaveses.
Escrevo-te hoje sem destino. Deixo as palavras nascerem no papel e são elas que
me juram que o dinheiro nunca supera o amor que se recebe num tempo em que tudo
é futuro e somos eternos.
·
Luís
Osório – Escritor - 25 de agosto, 2025